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| Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Recentemente, a juíza Ruth Bader Ginsburg, da Suprema Corte dos Estados Unidos da América, recebeu profundas críticas por publicamente realizar comentários depreciativos sobre o então candidato republicano, Donald Trump. Dada a repercussão negativa de suas declarações, Ginsburg retratou-se e prometeu, no futuro, ser mais “circunspecta”. Quanto ao fato, no penúltimo debate travado entre os candidatos à Casa Branca, Trump fez questão de frisar que Ginsburg fez “muitas, muitas declarações inapropriadas contra mim e outras pessoas, muitas pessoas que eu represento (...) ela foi forçada a se desculpar, e desculpou-se”.

Todavia, pouco após o incidente relativo a Trump, a mesma juíza criticou abertamente a postura do jogador de americano Colin Kaepernick, do San Francisco 49ers, que, durante a execução do hino nacional, aderindo aos protestos contra a injustiça racial nos EUA, manteve-se de joelhos. Referindo-se ao protesto, Ginsburg classificou a postura de “estúpida e desrespeitosa”. Novamente ela se retratou, descrevendo sua manifestação como “inapropriadamente dura”. Então, além de transparecer ao público indesejável parcialidade, a magistrada demonstrou, ainda, insegurança e imprevisibilidade.

Ginsburg parece ser um ponto fora da curva relativamente à postura de magistrados nos EUA, os quais, historicamente, sempre se mostraram ciosos em relação a sua imparcialidade. Indicativo disso é a própria celeuma em torno do comportamento da juíza.

Seriedade e impessoalidade são incompatíveis com o status de celebridade

No Brasil, declarações similares à de Ginsburg talvez não causassem as mesmas repercussões. Certamente suas assertivas não acarretariam, nem de longe, as críticas contra ela dardejadas nos EUA. Estamos acostumados ao comportamento verdadeiramente midiático de juízes e ministros de tribunais superiores, que se sentem à vontade para discorrer abertamente a respeito de fatos, pessoas e situações que, a rigor, imporiam o reconhecimento de posterior suspeição, quando dos julgamentos respectivos, o que quase nunca se dá. O entorno institucional parece mesmo favorecer tal situação, visto que, no Brasil, diferentemente dos EUA, os julgamentos da corte suprema são televisionados.

Ocorre que, pautados – em tese – pela imparcialidade, magistrados, ao se portarem sistematicamente desta maneira pouco recomendável, estimulam condutas extremamente negativas a agentes de outras instituições, que passam a se sentir encorajados a replicar tal agir. Sintomaticamente, pode-se mencionar o sucesso – e status de celebridade – alcançado por alguns policiais. Um deles, inclusive apelidado “hipster da Federal”, concedeu entrevista televisiva recentemente. Segundo noticiado pela imprensa, por causa de entrevistas concedidas sem autorização institucional e, portanto, em desrespeito às normas da corporação, o agente irá responder a processo disciplinar.

Em verdade, entender que a situação ora exposta traduziria apenas um simples conflito entre liberdade de expressão, de um lado, e imparcialidade (que inexiste no caso da Polícia Federal), de outro, reduz a compreensão do problema. Há uma verdadeira liturgia institucional em jogo, estejam os agentes públicos informados ou não pelo princípio da imparcialidade. Mais especificamente, é de se cobrar seriedade e impessoalidade, no exercício de suas funções, relativamente aos detentores de cargos de suma importância republicana. Seriedade e impessoalidade são incompatíveis, a nosso ver, com o status de celebridade.

Antonio Sepulveda é professor e doutorando em Direito. Igor de Lazari é mestrando em Direito. Roberto Kayat é professor e mestre em Direito. Todos são pesquisadores do Laboratório de Estudos Teóricos e Analíticos sobre o Comportamento das Instituições da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Letaci/PPGD/UFRJ).
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