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Se atualmente existem várias classes sociais participando da construção do processo político, isso em muito se deve à liberdade de imprensa

Quando pensamos nos desafios que o futuro nos acena quanto às liberdades públicas, um pouquinho de história não faz mal a ninguém. Afinal, as liberdades de que hoje dispomos são conquistas recente da humanidade – datam do final do século 18, início do 19. Foram instituídas com as chamadas revoluções burguesas, cuja referência mais nítida é a Revolução Francesa de 1789. Além de dar novo significado à palavra revolução (que, até então, representava o retorno ao ponto de partida), os franceses constituíram um novo tipo de Estado, que se pretendia regido por leis, não por homens. E quem elaborava a lei era o Poder Legislativo. É então que surge o hoje célebre princípio da legalidade, em suas duas vertentes: "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei" (para as pessoas privadas) e "a Administração Pública só pode fazer o que esteja previamente previsto em lei" (para o Estado).

Também é nesse momento que são consolidadas as liberdades dos indivíduos: a de expressão, a de ir e vir, a de fazer as próprias escolhas e de arcar com elas. O Estado devia assegurar a ordem pública (interna e externa) e a ele era vedado se intrometer nas relações entre as pessoas privadas. Ao poder público cumpria assegurar as liberdades – essas naturais ao ser humano.

Mas fato é que a Revolução Francesa nasceu com sérios vícios. Dentre eles, o de que o Legislativo era composto por membros de uma só classe social: os burgueses. Apenas as pessoas com alguma renda podiam votar e ser votadas. As mulheres, os menos abastados e os excluídos simplesmente não tinham qualquer participação política. Era o "Estado monoclasse": só uma classe social votava e legislava, sempre em seu próprio proveito. Pois esse Estado monoclasse, ao celebrar as liberdades individuais, trouxe consigo o gérmen de sua destruição: foi a liberdade de pensamento, expressada por meio da imprensa, que fez ruir a dominação de uma só classe social no processo de formação da vontade política.

Esse ambiente de liberdades – sobretudo as de pensamento e imprensa – que deu voz aos menos favorecidos e construiu, com o passar dos séculos, as sociedades pluriclasse que hoje habitam o planeta. Se atualmente existem várias classes sociais participando da construção do processo político (desde as leis até os protestos), isso em muito se deve à liberdade de imprensa. Liberdade aqui compreendida em seu verdadeiro sentido: aquela que é própria do sujeito livre, oriunda dele mesmo – e não supostamente concedida por quem quer que seja.

Por isso que chama a atenção a tentativa da construção de "conselhos" (ou coisa-que-o-valha) que visem à supervisão e/ou fiscalização estatal da imprensa. Ora, controlar uma liberdade significa exatamente suprimir essa mesma liberdade (e todas as que vivem em torno dela). A imprensa submetida a conselhos será qualquer coisa, menos livre. Pretender supervisionar a liberdade de imprensa significa tentar fazer com que ela não mais seja uma liberdade, mas sim uma outorga do soberano aos seus súditos. Ideia que repugna ao mais singelo conceito de um Estado que se pretenda Democrático de Direito.

Egon Bockmann Moreira, advogado, doutor em Direito, é professor da Faculdade de Direito da UFPR.

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