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Sua popularidade não é fruto do acaso ou da força do seu carisma. Ele, de fato, melhorou a vida das pessoas

Prestes a encerrar seus oito anos de governo, o presidente Lula descerá a rampa do Palácio do Planalto e abrirá um importante capítulo da nossa história. Esta coluna, com frequência, criticou as sombras do governo que se põe. Mas a honestidade intelectual e o dever de isenção, pré-requisitos de quem pretende fazer jornalismo ético, me obrigam a reconhecer o saldo favorável dos dois governos do presidente Lula.

O empenho de justiça social do presidente da República, sincero e não apenas eleitoreiro, foi sua marca. Responsável direto pela incorporação de milhões de brasileiros que viviam à margem do mercado, o fabuloso crescimento do consumo é um vigoroso atestado de inclusão. O Bolsa Família, operado com competência e sensibilidade humana pelo ex-ministro Patrus Ananias, deu certo. As políticas sociais do governo, formuladas pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, foram, a curto prazo, um bálsamo na chaga da miséria e da exclusão. A vida dos pobres melhorou. E isso é importante.

Seus dois mandatos, acertadamente, privilegiaram o desenvolvimento do Nordeste. Sua popularidade não é fruto do acaso ou da força do seu carisma. Ele, de fato, melhorou a vida das pessoas. Basta por os pés no Recife, por exemplo, para sentir a ebulição de uma economia viva. Por isso o povo despejou um mar de votos na candidata de Lula e reelegeu o governador Eduardo Campos.

Político rápido e intuitivo, Lula evitou o manejo populista da economia. Manteve a política econômica iniciada por seu antecessor. Alguns, equivocadamente, dizem que Lula nada fez. Só manteve a rota traçada por Fernando Henrique Cardoso. Não me parece pouco. Seu período registrou um crescimento de 37,3% (média anual de 4%). As exportações triplicaram. A inflação caiu de 12,5% para 5,6% ao ano. A taxa básica de juros reais também baixou, de 15% para 6%. O desemprego foi fortemente reduzido. A dívida externa foi paga. Não foi pouca coisa.

Quanto aos costumes políticos, o desempenho do governo Lula foi deplorável. Lula é, sem dúvida, um animal político e um grande comunicador. Sua história de vida, carregada de carências e sofrimento, enrijeceu sua personalidade e o transformou num homem decidido a vencer a qualquer preço. Mas é precisamente na têmpera da sua obstinação que reside a sua maior fragilidade ética. O projeto de poder de Lula não admitiu barreiras éticas. Em nome da governabilidade e da perpetuação de seu projeto, Lula se aliou ao que de pior existe na vida pública brasileira. A relativização dos valores e a condescendência com os companheiros e aliados envolvidos em graves irregularidades viraram rotina na fala presidencial.

"Errar é humano", disse Lula, referindo-se aos casos mais emblemáticos de corrupção. O presidente da República, subestimando a gravidade do mensalão, acaricou a cabeça de petistas pilhados em situações no mínimo constrangedoras.

Os pequenos erros mencionados por Lula derrubaram, em 2006, o ex-ministro José Dirceu, destituíram dezenas de diretores de estatais e mandaram para o espaço a cúpula do partido de Lula. De lá para cá, outros escândalos se multiplicaram como cogumelos. O governo Lula, seguindo os cânones da práxis (a manipulação da verdade se justifica na luta pelo poder), instaurou a cultura do cinismo na vida pública deste país. A simples leitura da imprensa oferece um quadro assustador da estratégia. Esbofeteou-se a verdade num escala sem precedentes. As responsabilidades submergiram num caldo pastoso e amorfo. Assistiu-se ao lusco-fusco da cidadania.

O presidente Lula tem méritos indiscutíveis. Iniciou o resgate da dívida social, foi prudente na condução da economia e deu ao Brasil, pela força de seu carisma e pelos bons ventos que sopraram nos seus dois mandatos, grande prestígio internacional e notável popularidade interna. Além disso, ao contrário de seus colegas, não entrou no desvio do terceiro mandato. Foi injusto em seus recorrentes ataques à imprensa independente, mas não concretizou nenhuma ação contra as liberdades públicas.

Feitas as contas, apesar das ressalvas, o presidente Lula escreveu um belo capítulo da nossa história. A todos, feliz 2011!

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo (www.masteremjornalismo.org.br), professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia (www.consultoradifranco.com). difranco@iics.org.br

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