| Foto: Alessandro Buzas/Futura Press/Folhapress

O país assiste perplexo ao desmoronar de tantos castelos e reputações, e uma das quedas mais emblemáticas é a do império do homem que gostava da letra X. E isso nos leva a refletir um pouco sobre determinadas estruturas sociais, certos ciclos culturais recentes, a representação coletiva do que seja riqueza individual e o tanto que isso está relacionado com o que denominamos crença.

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Eike Batista tinha tudo para dar certo. Filho de um respeitado dirigente de estatal, teve todas as oportunidades, brilhou em competições esportivas, fez fortuna com mineração, não por acaso a área em que seu pai era mestre, casou com uma das mulheres mais bonitas do país, teve dois belos filhos. Não era suficiente. O valioso conselho shakespeariano “cuidado com a ambição excessiva, por esse pecado caíram os anjos” quase nunca é ouvido e muito menos seguido; não bastava ser rico, era preciso ser o mais rico, e qualquer pajelança necessária seria utilizada. Armou-se um espetáculo, uma pirâmide em que cada “empresa X” contava com a referência patrimonial das demais: o projeto de reforma de um hotel baseado em uma mineradora que se apoiava na construção de uma marina que se sustentava em um restaurante e assim por diante; a joia da coroa foi uma petrolífera – até que... não jorrou o petróleo prometido, e hoje se sabe que não era esperado mesmo. A imensa fortuna propalada não existiu, ou compareceu, na hora de cobrir os prejuízos. Um após outro, os empreendimentos foram desvanecendo, meros coelhos saídos de cartolas furadas enquanto o distinto público pagante aplaudia enfeitiçado.

Um após outro, os empreendimentos foram desvanecendo, meros coelhos saídos de cartolas furadas

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O fato é que algumas personalidades parecem estar em profunda conexão com ideias gerais predominantes, em especial nesta época de conectividade intensa em redes sociais, e na qual o mundo funciona cada vez mais parecido com uma aldeia. Embora desejemos ardentemente, não podemos esquecer Donald Trump, que corrobora a afirmação de que grandes verdades (insatisfações, misérias e dores reais) costumam ter em seu bojo muitas pequenas mentiras, e estas abrem caminho aos salvadores iluminados que tudo resolverão por um simples ato de vontade (e bravata).

Toda prestidigitação funciona com base em compensadores mais imediatos: a cura da doença, o fim do sofrimento, a realização de um desejo, e nisso é contrária à religião, que envia ao futuro, a uma outra vida, a recompensa ao esforço para obter a vitória; no entanto, ao contrário desta, não tem a fundamentação essencial para a manutenção de organizações, dado que não propiciam relações estáveis no longo prazo. Todo sortilégio implica numa relação efêmera entre o “especialista” e seus clientes, existente enquanto durar a demanda, enquanto o objetivo não é alcançado.

Para pessoas em situação de crise, desempregadas, doentes, sem perspectivas de futuro, este enigma do que é simultaneamente visível e invisível, presente e oculto, nas decisões públicas – que não são desligadas das econômicas e afetam sua vida diretamente – não pode ser compreendido apressadamente, até porque é inerente ao processo certa sedução, um aceno de satisfação de sonhos, uma quase normatização da felicidade ampla, geral e irrestrita.

Neste momento, alguns aventureiros, antecipadamente, se lançam em candidaturas ao próximo pleito, seguindo a mesma cartilha: promessas magníficas sem a menor revelação de como serão realizadas, muita purpurina, muitas declarações bombásticas de efeito midiático, cujos pilares sustentam-se na fé. Porém, tudo o que é atinente ao sagrado também o é ao sacrílego. Disso sabem religiosos e feiticeiros: sempre que um comportamento é divinizado, seu oposto será demonizado. Para um país já dividido, é o veneno perfeito.

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Wanda Camargo, educadora, é assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil (UniBrasil).