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Coisa intrigante é a ausência de intelectuais no debate político brasileiro. Antes tínhamos referências, podíamos apontar para este ou aquele e dizer “é mais que um sujeito com partido. É alguém que entende o Brasil”. Na esteira da degeneração cultural e acadêmica brasileira, vimos desaparecerem essas figuras para as quais valia a pena apontar, e os nossos bons oradores e escritores de hoje já não são intelectuais, são militantes.

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Levei tempo para perceber que o que eu queria era ouvir e estar com os intelectuais politicamente engajados. Procurei e não achei, bati à porta e a porta não se me abriu. Não tinha ninguém em casa.

Como todo jovem idealista, comecei por ser militante de ideologias políticas. Não tenho vergonha de dizer que mudei de time várias vezes, porque o que eu queria era algo melhor. Como uma pessoa vazia que pula de igreja em igreja desesperada por salvação, balancei bandeira socialista, liberal e social-democrata, nessa estranha ordem. Quando perdi a fé na ideologia política, pela terceira vez, não consegui mais reacender o ânimo para outras. Diferentemente de tantos outros, não me decepcionava com pessoas, e sim com a própria ideologia. Meu ponto de exaustão foi perceber que a frustração tinha por base a mesma falha fundamental: a ideologia é anticrítica, ultradogmática e, portanto, irracional. E não tem como não ser. Se é para ter religião, é mais racional que ela seja assumidamente metafísica, que fale do absoluto, do infinito e do geral, e não subordine a salvação e a ética a uma perspectiva mundana, fechada e limitada.

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A ideologia é o oposto da filosofia ou da ciência, porque ela tem lado e posição desde o começo, e não está buscando imparcialmente algo desconhecido, uma verdade ou lei oculta da questão. Já começa com a resposta e não pode negociar essa resposta sem deixar de ser ideologia e cair na investigação racional dos objetos e valores políticos.

Pois bem, aprendi nesse trajeto que o que me interessa é filosofia política, ciência política, na medida em que consigam ser mais do que militâncias in disguise. Nesse sentido, pensamento liberal, pensamento social-democrata, pensamento conservador etc. continuam sendo interessantes, mas achar quem trate disso sem descambar para o sectarismo ideológico está se tornando quase impossível.

A ideologia é o oposto da filosofia ou da ciência, porque ela tem lado e posição desde o começo, e não está buscando imparcialmente algo desconhecido, uma verdade ou lei oculta da questão.

Como é triste que as universidades, a mídia, os institutos, no grosso, nem sequer queiram e cogitem ser mais que militantes. Como é triste que essa parte da sociedade responsável pela formação das pessoas, ideias e pela configuração de grande parte do debate não queira ser a força que o puxa para cima. Como é triste que professores, jornalistas, lideranças de movimentos e institutos da sociedade civil nem mesmo queiram conversar com abertura, questionando mais a si próprios e temerosos mais dos próprios preconceitos que da possibilidade do diferente.

Pelo que já vi por aí, a desculpa principal para não nos engajarmos em amplos debates civilizados e qualificados é a acusação de elitismo, isto é, que isso tornaria o debate político inacessível. Para não serem inacessíveis, portanto, desce-se ao nível da briga de botequim, passional, sectária, enviesada, maniqueísta, desonesta.

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A segunda crítica que se vê, e que é um pouco menos injustificada, é a de que tomar partido é inevitável. No entanto, quem disse que tomar partido de forma consistente e conversar com outro partidário do lado oposto é impossível? Isso não acontece o tempo todo, na história do Brasil até? Qual deveria ser o problema de um debate entre conservadores e liberais, trabalhistas e identitários, ou, Deus me perdoe imaginar isso, pessoas de esquerda e de direita, desde que fossem pessoas razoáveis, respeitosas e dispostas ao respeito mútuo? Não seria fantástico se pessoas que têm partido chamassem outras que têm um partido diferente, não para atacar e massacrar, mas para buscar entendimento básico, mesmo que sem o tão sonhado consenso?

É claro, isso é outra coisa que não vai acontecer, porque o militante de ideologia não tem nada a ganhar com isso. Quem teria a ganhar são o país e o povo, não aquele povo da teoria, conceito da ideologia, o povo que a gente vê na rua mesmo.

Humberto Schubert Coelho é professor do departamento de Filosofia da Universidade Federal de Juiz de Fora, codiretor do Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde (Nupes-UFJF), e foi recentemente apontado para uma cadeira na Academia Brasileira de Filosofia.