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O tema vem a calhar: o Instituto dos Advogados do Paraná participou em setembro, com o Instituto dos Advogados Brasileiros e com outros institutos estaduais, de um encontro nacional no Rio de Janeiro cuja nota oficial pode ser encontrada no sítio do instituto (www.iabnacional.org.br), já com agenda da reunião a ser realizada em São Paulo em novembro. Na ocasião, foi tomada firme decisão no sentido de que o controle no ensino deve predominar, inclusive de modo mais rigoroso e eficaz do que o atual. A discussão foi direcionada aos cursos jurídicos, mas é evidente que o problema se insere no universo global do ensino.

Penso que a pergunta que provoca este artigo tem resposta evidente em favor do controle, mas enfrenta um argumento contrário a ser rejeitado: a ponderação pela qual seria interessante não haver exigibilidade de padrão mínimo pelo fato de que quanto maior fosse o número de cursos melhor seria para a cultura do brasileiro em termos gerais. Ou, em palavras diversas: mesmo ruim, o curso representaria melhoria no padrão intelectual da população. É um engano terrível representado pela seguinte metáfora: imaginemos a construção de um castelo educacional sendo nele colocados os brasileiros. Um lindo palácio com paredes de mármore... só que feito sem base sólida, sobre terreno instável, com portas de papelão e teto repleto de furos. O resultado seria – como efetivamente é – catastrófico. Melhor seria a construção de várias e seguras casinhas distribuídas por todo o território, com base firme, portas sólidas e telhado impenetrável.

Por qual motivo? Porque educar não é apenas ensinar, transmitir conhecimento técnico e científico. Educar é formar mente e, principalmente, caráter: não se forma pelo fim e sim pelo começo. Nessa toada, o que é necessário é ter a coragem política para admitir que a pirâmide do ensino no Brasil está invertida: o mais importante não é o doutor lá do topo, da extensão, mas sim o heróico e desprestigiado professor do ensino básico. Ali é que está o começo da formação, que permitirá que o menino/menina de hoje se transforme no homem/mulher de amanhã, cidadão/cidadã, profissional, pai/mãe, eleitor/eleitora e eleito/eleita. É necessário então – em vez do "liberar geral" lá em cima – fazer uma revolução no ensino de base, a fim de que se tenha no Brasil uma educação voltada para a efetiva formação dos indivíduos.

O ensino universitário não é e não pode ser para todos: assim como não se tem um atleta em cada pessoa, também não se tem nela um universitário. Ser atleta representa uma dedicação do vocacionado, assim como chegar ao curso superior é uma vitória. Mas a vitória do atleta não pode ser decorrente de dopagem química, assim como não se admite que a vitória do universitário decorra de engodo educacional. Mais: o país não precisa apenas de atletas, mas de uma população genericamente sadia, da mesma forma que não precisa apenas de diplomados em universidades, mas sim de uma população cidadã. No Brasil, infelizmente, o que se vê é a somatória da falta de melhor controle dos governos e da ganância incontida de alguns empresários; como também a ausência lamentável de patriotismo das pessoas em geral, sem o qual não se faz de um povo uma grande nação.

Esse quadro se agravou no início dos anos 70, quando surgiu o chamado "vestibular unificado" (sendo eliminado o curso clássico na área das ciências humanas) e a indústria dos cursinhos floresceu. Vieram, então, os anos 80 e os ditos cursinhos resolveram ser também faculdades. Subitamente as faculdades vieram em número tão grande que os cursinhos perderam clientela porque aquelas não eram mais tão difíceis de alcançar nos vestibulares sem os rigores e a concorrência de antes. E então os empresários dos cursinhos e das faculdades descobriram o novo filão: o "pós", já divulgando durante a graduação que o importante não era a formação em si mas sim o dito "pós", que se faria na seqüência, garantindo o cliente do futuro. E após o "pós" vieram os cursos de extensão, os chamados "lato sensu", incontáveis, sem controle algum de seriedade e qualidade. E tudo para atrair a clientela desavisada e obter lucro. Resultado? A frustração imensa que aí está; a percepção de que "falta alguma coisa".

Isso resulta no desprestígio de quem está na base: o professor da formação. O importante é o "doutor" do topo, que acaba sendo o construtor do telhado furado. É fácil perceber: o professor não mais deseja atuar no grupo escolar, no colégio: a glória é ser do cursinho; e nas faculdades ser professor da graduação é uma demonstração de falta de prestígio e competência: para ser bom é necessário ser professor do "pós", das extensões. Que falta de percepção da realidade da vida, do conhecimento até mesmo do que seja semanticamente o significado do verbo estender!

Por isso penso que o controle deve existir lá em cima e o cuidado deve começar lá embaixo, sendo evitadas frustrações e a cortante ironia do poeta popular: "O nosso amor é tão bonito... Você finge que me ama e eu finjo que acredito."

Manoel José Lacerda Carneiro é presidente do Instituto dos Advogados do Paraná.

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