• Carregando...
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o vice-presidente e ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin (PSB)
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o vice-presidente e ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin (PSB)| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O caso da Microsoft durante o governo de Bill Clinton nos Estados Unidos ilustra bem esse medo. Embora seja uma das empresas mais ricas e poderosas do mundo, a Microsoft foi processada por práticas monopolistas em 1998. Durante esse período, a empresa não possuía uma equipe de lobistas trabalhando para ela em Washington, ao contrário de muitos de seus rivais, que contribuíam ativamente para o partido democrata e pagavam lobistas caros. Não podemos afirmar com certeza que a ausência de uma estratégia de lobby foi a causa do processo, mas é interessante notar a correlação.

O caso da Microsoft levanta uma questão fundamental: empresários ricos e poderosos podem se sentir ameaçados por políticos, fiscais e burocratas. Esse medo pode ser especialmente agudo em países onde as leis podem ser ambíguas, muitas vezes inexecutáveis, e com uma segurança jurídica precária. No Brasil, a situação é ainda mais complicada. Os empresários frequentemente se encontram em uma posição delicada, onde sentem que precisam "jogar o jogo" da política para proteger seus interesses. Eles podem sentir-se obrigados a fazer contribuições para campanhas políticas ou a pagar propinas a funcionários públicos. Em muitos casos, eles fazem isso não porque desejam influências políticas, mas porque temem as consequências de não o fazer.

São necessárias reformas políticas e burocráticas que garantam a transparência, a previsibilidade, eficácia pública e a equidade perante a lei.

Além disso, os empresários brasileiros muitas vezes se deparam com burocratas e fiscais que lhes dão orientações contraditórias. Um exemplo clássico é a visita de bombeiros em semanas distintas, cada um dando orientações diferentes. Nessa situação, os empresários ficam presos em uma armadilha: seguir o conselho de um bombeiro significa desobedecer ao outro. Outro exemplo é a obrigação de trabalhar aos domingos para cumprir um contrato da prefeitura, mas ser multado por um fiscal por trabalhar nesse dia. Nesse caso, o empresário é colocado em um impasse: cumprir um contrato e ser multado, ou não cumprir e enfrentar as consequências?

Talvez alguns de vocês lembrem como em 2014 houve uma mudança fundamental nas regras das construtoras, obrigando-as a devolver o dinheiro para compradores que se arrependeram, por consequência, muitas quebraram. Em outra ocasião, duas empresas na área de logística na mesma cidade, com estruturas parecidas, por acaso ou não, apenas uma recebeu aval para operar com produtos de saúde.

Não estou sugerindo que empresários são santos, longe disso. Edmund Burke, um proeminente estadista e filósofo britânico do século XVIII, foi um crítico importante do envolvimento da Companhia das Índias Orientais Britânicas em abuso de poder e corrupção. Ou seja, não se trata de algo novo. Mas creio que o equilíbrio das forças, ao menos no Brasil, é desproporcionalmente em favor dos políticos, burocratas e instituições, deixando empresários à mercê, para não dizer muitas vezes subordinados, a quem deveria estar ali para garantir um “fair game”.

Como resultado, muitos empresários brasileiros se encontram em uma posição paradoxal. Em vez de se concentrar em seus negócios, eles são forçados a aprender a navegar na política e a lidar com burocratas. E, ainda assim, eles são frequentemente criticados por isso. O resultado social desse desequilíbrio é que a sociedade é menos próspera do que poderia ser. As empresas que têm capacidade para se concentrar na inovação e na criação de empregos estão, em vez disso, gastando tempo e recursos navegando em um sistema político e burocrático complexo e frequentemente contraditório. Isso não é bom para os empresários, e certamente não é bom para a sociedade em geral.

São necessárias reformas políticas e burocráticas que garantam a transparência, a previsibilidade, eficácia pública e a equidade perante a lei. Regras claras e consistentes são essenciais para um ambiente de negócios saudável. As empresas precisam saber que serão tratadas de maneira justa e que não serão submetidas a pedidos, ou processos artificialmente intermináveis ou expectativas injustas por parte dos políticos ou burocratas.

A corrupção também precisa ser combatida vigorosamente. A prática de pagar propinas para obter favores ou para se proteger de represálias é prejudicial e perpetua um sistema de desigualdade e medo. Em uma carta aberta a Sergio Moro quando ministro da Justiça, escrevi sobre a necessidade de um sistema que escolhe fiscais de forma aleatória, assim dificultando o desenvolvimento de “amizade” entre fiscal e fiscalizado.

Em carta aberta a Paulo Guedes, então ministro da fazenda, solicitei que rankings referente à "facilidade de fazer negócios” sejam incorporados pelos governos, assim como PIB e taxa de desemprego, criando uma consciência coletiva e indignação do inferno que é empreender no Brasil. Lula em seu discurso em Portugal fez menção à importância dos empresários no desenvolvimento do país. Pode então fazer hoje, o que seu arqui-inimigo Moro não fez, e ser mais inovador que Guedes, incorporando indicadores comparativos internacionais, com medições anuais. No seriado House of Cards, o protagonista Frank Underwood resume bem: “Tenho tolerância zero para traição, eles aprenderão em breve de forma indelével”. O estereótipo do empresário é de pessoas ricas e poderosas. Por trás há um ser humano apavorado pelas possíveis consequências das ações tomadas por seus governistas.

Daniel Grajwer é jornalista, autor e economista pela Universidade Haptuha de Israel.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]