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Em 2016, quando eu ainda estava na faculdade de jornalismo, conheci uma colega que havia adotado duas crianças. Ela me apresentou à ONG Aconchego, em Brasília, que atua com grupos de apoio à adoção. Foi ali que minha relação com esse tema começou.
Dois anos depois, como estagiária em uma agência de rádio, sugeri uma campanha social sobre adoção tardia, quando as crianças já não são mais bebês. A campanha alcançou cerca de 200 pessoas interessadas em conhecer mais sobre o tema. E ali, mesmo sem saber, eu já estava vendo de perto que existe muita burocracia e pouco incentivo para quem quer amar e cuidar.
O Brasil tem hoje mais de 29 mil crianças e adolescentes vivendo em acolhimento institucional ou familiar. Dessas, apenas cerca de 4.900 estão aptas para adoção, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A conta não fecha porque o processo é lento, centralizado e, muitas vezes, desanimador.
Enquanto isso, há mais de 35 mil pretendentes cadastrados no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento. A maioria procura crianças pequenas, sem irmãos, sem problemas de saúde. O Estado, que deveria facilitar encontros e reduzir o tempo entre o acolhimento e a adoção, frequentemente cria entraves e demora para declarar a destituição do poder familiar, fazendo com que essas crianças continuem em abrigos.
Em países como os Estados Unidos, a adoção é descentralizada: há programas estaduais e municipais com bancos de dados transparentes, campanhas públicas e acompanhamento direto. A Inglaterra, por exemplo, possui um modelo misto entre Estado e organizações sociais, em que ONGs credenciadas fazem a ponte entre famílias e crianças, com prazos claros e suporte após a adoção.
Aqui, a gente ainda escuta histórias de pessoas que esperam anos para conseguir adotar, enquanto milhares de crianças crescem em abrigos, sem referência familiar, sem estabilidade, sem projeto de vida
Existem medidas que poderiam destravar o processo de adoção no Brasil. Não é difícil. Parcerias com ONGs podem agilizar o processo de aproximação entre as famílias e as crianças. Além disso, seria possível descentralizar e digitalizar o Cadastro Nacional de Adoção.
A criação de campanhas contínuas de incentivo à adoção, inclusive de crianças mais velhas, geraria uma cultura entre empresas e organizações para que deixasse de ser um tabu falar sobre isso. Além disso, facilitaria o apoio psicológico e jurídico às famílias durante e após todo o processo. Mas, principalmente, é importante que esqueçamos o Estado como único tutor dessas crianças.
Adotar uma criança não deveria ser mais difícil do que abrir uma empresa. E olha que abrir uma empresa no Brasil já não é tão fácil. Isso diz muito sobre o tipo de sociedade que estamos construindo.
Adoção é amor, sim. Mas também é justiça. E quando o Estado atrasa isso, quem paga a conta é sempre quem mais precisa de um lar.
Sara Ganime é jornalista, CEO do Boletim da Liberdade e ativista pela liberdade de imprensa e de expressão. Sara é líder do LOLA Rio de Janeiro e bolsista do programa Maria Oropeza Activism Fellowship.
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Conteúdo editado por: Aline Menezes



