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Entre a grande e a pequena política

O espaço político é sobretudo o ambiente do diálogo, cuja principal premissa é o respeito à pluralidade de opiniões e a garantia da igualdade de direitos e condições de expressá-las. É como espaço equânime de conversação que a política consolida a sociedade como uma comunidade da discordância e uma coletividade de assuntos discutíveis. É preciso, então, garantir espaços legítimos abertos ao debate e à discussão das ideias que orientam a sociedade em direção ao cumprimento desse que era, para Aristóteles, o sumo bem da vida política: a conquista da felicidade – que é sempre um bem coletivo.

Leia a opinião de Jelson Oliveira é professor do programa de pós-graduação em Filosofia da PUCPR.

No Domingo de Páscoa, o pré-candidato do PSB à Presidência, Eduardo Campos, estava em Aparecida. Questionado a respeito, posicionou-se contrariamente ao aborto, declarando que considera adequada a atual legislação brasileira. Dias depois, em Santa Catarina, evitou o tema, dizendo que a resposta a essa questão estaria em seu programa de governo.

A declaração em Aparecida suscitou algum debate na mídia, em várias vertentes. Entre elas, se esse seria um tema pertinente em campanha eleitoral. Também houve o questionamento de que o posicionamento contra o aborto não combinaria com um socialista.

Quanto a esse último aspecto, temos ao menos dois importantes precedentes na América Latina, que demonstram que a relação entre socialismo e liberação do aborto não é tão simples como pretendem alguns. Em 2008, o então presidente do Uruguai Tabaré Vásquez, certamente um político de esquerda, vetou a primeira tentativa de se legalizar o aborto naquele país. Agnóstico, Vásquez relacionou o seu veto ao fato de ser médico, o que lhe propiciava amplo conhecimento sobre a humanidade do nascituro, merecendo este proteção legal. No ano passado, o presidente do Equador, Rafael Correa, também um homem de esquerda, disse que renunciaria a seu mandato se o parlamento aprovasse o aborto, apoiando-se na Constituição do país para dizer que isso não seria aceitável, e evidenciando a sua concordância com o dispositivo constitucional.

No Brasil, temos a experiência de que na maioria dos partidos há políticos tanto contrários como favoráveis à legalização do aborto. Para alguns, esse seria um argumento para deixar-se o assunto, considerado "convicção pessoal", fora do debate das eleições. A meu ver, ocorre justamente o contrário. Se não podemos saber, pela simples filiação partidária, o posicionamento de um candidato, é necessário que ele o manifeste, e isso vale principalmente para os cargos majoritários.

Como eleitores, temos o direito de conhecer o pensamento dos candidatos em questões éticas. Este é um fator crucial para a decisão do nosso voto. A prioridade dada aos direitos humanos, a temas de vida e família, é mais crucial para os rumos do país que aspectos econômicos. Por mais que possam ser temas espinhosos, inclusive dentro de seu próprio partido, é preciso que os candidatos se posicionem, e isso certamente lhes será cobrado nos debates em que a população tenha voz.

O posicionamento na questão do aborto e em outros temas éticos diz mais sobre a índole do candidato do que as promessas, tantas vezes vazias, presentes nas propagandas eleitorais. Trata-se de algo tão relevante quanto a honestidade pessoal, infelizmente tão difícil de verificar se não houver clara evidência de corrupção na vida pregressa de um candidato.

Alguém tem dúvida de que o povo brasileiro deseja "mais saúde", "mais educação", "mais segurança"? É fácil concordar quanto a isso, se não especificarmos o que se entende por saúde, educação e segurança. Entrar nos aspectos polêmicos pode ser árduo, mas é o único caminho para que o eleitor possa efetivamente discernir entre os candidatos. Precisamos de uma campanha com menos slogans e mais ideias.

Lenise Garcia, professora da Universidade de Brasília, é presidente do Movimento Nacional da Cidadania pela Vida – Brasil sem Aborto.

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