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O Papa Bento XVI definiu o que pensa a maior e mais representativa instituição cristã mundial com respeito aos minaretes, cuja construção daqui para a fren­­te está vetada na Suíça. O Pontífice condenou a proibição, em nome da liberdade religiosa. Esta é a posição oficial da Igreja, e ela, apesar dos "pecados históricos", tem força moral para firmar tal posição.

Teria o Papa medo de que perseguições aos cristãos em países muçulmanos viessem em revide à medida? Não acredito, mesmo porque, é forçoso reconhecer, a Igreja Católica e outras igrejas cristãs não gozam de liberdade de culto nos países islâmicos, com algumas exceções, como o Egito, onde os cristãos coptas monofisistas (cerca de 10% da população) são indissociáveis da cultura e da história egípcias. E também, como exceção, há a Síria, berço, como o Egito, do cristianismo. Se bem que nos dois países, haja movimentos fundamentalistas com permanente ameaça aos cristãos, mas não há restrições governamentais à fé.

Para quem não sabe: nos anos que antecederam à chegada do general Sukarno ao poder na In­­do­­nésia, pelo menos 90 mil cristãos foram mortos a porretes, nas ruas do país , por confessarem sua fé em Cristo. E as limitações à religião cristã são inú­­me­­ras nos países mulçumanos, como o Sudão, às vezes acompanhadas de cumplicidade do governo.

Mas a Igreja aprendeu, a partir de João XXIII, que a liberdade de crer e pregar sua crença é um dos dons mais preciosos à disposição do ser humano.

As grandes definições do Concílio Vaticano II sobre a liberdade religiosa dão suporte às palavras do Papa sobre o assunto minaretes, aquelas torres das mesquitas que identificam a presença islâmica agora também na Europa.

Mas parece uma piada que tipos humanos e políticos risíveis, como o presidente Sarkozy, da França, venham a reclamar supostos "direitos" da cultura e tradição cristãs para impedir expressões religiosas, assim como também se opõem ao véu islâmico e à burca. É o contraditório Sarkozy que veta todos os símbolos religiosas – da estrela de David ao crucifixo, dos quipás às medalhas católicas, especialmente nas escolas. E os quer, já disse, banidos das ruas da França...

Vivendo um prematuro período de decadência na aceitação popular, Sarkozy, ao lado de Berlusconi, o presidente da Itália, é cristão nada exemplar. Pelo contrário, tem práticas pessoais e posições políticas que não conferem certeza de que seja mesmo fiel aos princípios evangélicos.

Sarkozy não está sozinho nessa empreitada, acompanhado que é pela xenofobia de parte de uma Europa envelhecida, que sempre recorreu, em tempos de vacas gordas, aos imigrantes para que lhe fizessem o "trabalho sujo" – aquele que não interessa aos europeus ocidentais.

Há um expressivo porcentual da população europeia (na Suíça, uma maioria) que não só veta os minaretes: veta também a presença de uma imigração mesmo que qualificada, assim como os valores culturais que ela pode trazer.

Fala o presidente francês em preservar o "espírito cristão da Europa" para vetar outros símbolos religiosos (minaretes, entre eles). É uma contradição que o presidente recorra a valores cristãos em apoio a suas teses – na verdade, busca apoio de grupos como o de Le Pen e seus votos. Pois a França, sob a liderança de Sarkozy, tem sido campeã nas campanhas do laicismo e de banimento dos símbolos de fé... E agora, fala em preservar tradições cristãs.

Preservar o "espírito cristão" da Europa deveria, isto sim, significar uma ampla imersão do Estado no banimento das drogas, no combate aos crimes das lavagens do dinheiro que lá se abriga secretamente, escondendo origens criminosas, à pedofilia, ao racismo que agora toma novos contornos. Mas que já teve o nome de antissemitismo.

O verdadeiro espírito cristão da Europa deve passar por uma cultura de vida, de preservação da vida desde a concepção, de acabar com as barreiras e limitações que impedem nações pobres de terem acesso ao rico mercado (subsidiado) europeu. A Europa deveria ser barreira contra a eutanásia, que sacrifica idosos em nome de seu "bem-estar", particularmente nas desenvolvidas Holanda e Bélgica. São multidões de velhos que fogem, literalmente, para a Alemanha, onde es­­tão a salvo da eutanásia (dura lição quer os alemães aprenderam com a experiência nazista).

Sarkozy não é a melhor expressão da Europa de Carlos Magno, de Bento de Nursia, de Bernardo de Claraval, do pastor Alberto Schweitzer, de Konrad Adenauer, de Chiara Lubich, de Francisco de Assis, de São João da Cruz...

Fico, pois, com Bento XVI na questão dos mi­­na­­retes que, no fundo, envolve muito mais do que torres de mesquitas.

Aroldo Murá é jornalista e presidente do Instituto Ciência e Fé

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