Houve um aumento exorbitante do IGP-M, índice-referência para o reajuste da maioria dos contratos de aluguel, superando mais de 31% nos 12 meses encerrados em março de 2021. Com isso, logo surgem propostas de políticos, artistas e associações civis pedindo que o governo intervenha, congelando os preços dos aluguéis. O tema ganhou novo fôlego nos últimos dias após Berlim abolir sua política de congelamento após um ano de controvérsias, diversas cidades dos Estados Unidos estarem discutindo restrições ao reajuste de aluguéis, e a cidade de São Paulo ter levado para o segundo turno um candidato que defendia abertamente essa ideia como solução para os problemas de moradia da maior cidade do Brasil.
De forma simples, o congelamento não passa de tabelamento dos preços com base em um recorte específico do tempo. Sempre que políticas assim são implementadas, é necessário relembrar as lições que Mises tentou ensinar, há décadas, na Argentina. Em especial, as lições sobre capitalismo e intervencionismo.
Não raro, nos deparamos com situações em que ideias tentadoras de soluções tão simples quanto mágicas para resolver os problemas sociais parecem estar ao alcance de uma “canetada”. O problema é que os efeitos colaterais dessas medidas quase nunca são observáveis, enquanto os problemas causados por elas muitas vezes são piores que a condição atual que as motivaram.
Para entender o problema da proposta, precisamos esclarecer algumas coisas. O que é, de fato, regulado com o congelamento dos preços dos aluguéis? Contrário à intuição da maioria, a resposta é muito mais complexa que o óbvio “o preço dos contratos, é claro”. Ao congelarmos os aluguéis, impomos um preço no mercado imobiliário. Mas o que é esse tal de “mercado”? Ora, o mercado não é um CPF, nem um CNPJ. Tampouco é um ambiente ou um ponto localizável no mapa. Ele nada mais é do que o processo que envolve todas as trocas que ocorrem livremente entre indivíduos que buscam seu próprio interesse. Nesse processo, o preço nada mais é do que o valor monetário nominal do ponto de equilíbrio entre os anseios de vendedores e compradores de determinado bem. Assim, quando colocamos qualquer amarra no mercado, retiramos desses indivíduos o poder de tomar decisões em busca de atender seus anseios.
Ainda hoje, há quem considere justificável gerar esse desequilíbrio para sacrificar o interesse do proprietário do imóvel em prol do interesse do locatário. Na perspectiva marxista, é uma medida louvável, uma forma de “justiça social”. Porém, esse rancor gratuito ao detentor do capital não passa no teste de realidade, conforme veremos a seguir.
Na prática, o tabelamento de preços gera escassez do produto tabelado ou, em nosso caso, a indisponibilidade de imóveis para locação. Como isso ocorre?
Primeiro, há excesso de demanda, já que, com preços defasados, cresce a procura por imóveis cuja oferta estava regulada para atender ao equilíbrio anterior à intervenção. Uma pessoa que, em outra situação, optaria por se mudar para um imóvel mais modesto não precisa mais fazê-lo. Ela permanece em um imóvel que seria normalmente mais caro, mas, graças ao congelamento de preços, agora cabe no orçamento. Por outro lado, quem busca um imóvel com iguais características, tendo capacidade financeira para arcar com ele, fica na fila de espera.
Segundo, quando o tabelamento de preços não mais cobre os riscos que o proprietário considera aceitáveis frente ao retorno esperado do aluguel, ele tende a dar outro destino ao imóvel, gerando, então, escassez via redução da oferta. A consequência disso é uma velha conhecida dos latino-americanos: disponibilidade de produtos apenas em mercados paralelos ou informais com preços mais elevados, criando um simulacro tosco de livre mercado que tenta resgatar o poder de decisão de compradores e vendedores.
Mesmo com décadas de experiências fracassadas de tabelamento de preços, ainda há defensores dessa tese como solução para democratizar o acesso aos bens e à moradia. Ignora-se que o preço é apenas um valor nominal do ponto de equilíbrio entre a vontade do comprador e do vendedor que satisfazem ambos, evitando a falta de produtos. Muito se diz sobre intervenções econômicas, mas, na verdade, elas não existem. O que existe é a intervenção na liberdade de escolha e na livre troca entre indivíduos, cuja consequência é um efeito econômico aparente.
Sendo a economia um reflexo das decisões, sem liberdade econômica, todas as outras liberdades são ilusórias. “Os pretensos liberais de nossos dias sustentam a ideia muito difundida de que as liberdades de expressão, de pensamento, de imprensa, de culto e contra de encarceramento sem julgamento podem, todas elas, ser preservadas mesmo na ausência do que se conhece como liberdade econômica. Não se dão conta de que, num sistema desprovido de mercado, em que o governo determina tudo, todas essas outras liberdades são ilusórias, ainda que postas em forma de lei e inscritas na Constituição”, afirmara Mises em As Seis Lições.
Em 1959, em uma Argentina recém-saída da experiência mal-sucedida da primeira passagem de Perón pela Casa Rosada, Mises deu as lições sobre os efeitos nefastos da intervenção estatal na economia pelo ataque à liberdade dos indivíduos. Infelizmente, nossos vizinhos optaram por não aprender os ensinamentos do austríaco – seguem recorrendo ao peronismo até os dias de hoje. Cabe a nós, portanto, escolhermos se queremos seguir os passos de nossos hermanos e insistir no intervencionismo populista ou absorver, com algumas décadas de atraso, as lições que o ilustre visitante ensinou e a América Latina teimou em não aprender.
Alexandre Sorensen é formado em Ciências Contábeis, atua como head de Finanças e Operações e como consultor para finanças corporativas, e é associado ao IFL-SP.
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