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O Plano Real, ainda em sua fase adolescente, apresenta características evidentes de envelhecimento precoce, exigindo uma plástica reparadora

Quando o assunto é inflação, o cenário atual é preocupante. As discussões têm-se revelado inócuas e as medidas do governo, tímidas. O consenso sobre as origens do problema é nenhum. Tampouco quanto às medidas para combatê-lo. O resultado é uma espiral crescente de preocupações, alimentada por uma onda de aumentos nos setores de alimentos, serviços, produtos manufaturados e custos administrados pelo governo.

Temores e insegurança trazidos por uma inflação crescente são veículos ideais para ressuscitar na mente da população os momentos difíceis vividos em décadas passadas até a chegada do Plano Real. Nascido em fevereiro de 1994, o Plano Real, ainda em sua fase adolescente, apresenta características evidentes de envelhecimento precoce, exigindo uma plástica reparadora. O Brasil do Real não tinha reservas internacionais. A taxa de desemprego era o dobro da atual. O mercado consumidor estava estagnado. A Lei de Responsabilidade Fiscal não existia. O governo arrecadava 27% do PIB. Nossa moeda estava desvalorizada. As reservas externas eram de cerca de US$ 30 bilhões. O saldo da balança de pagamentos era próximo de zero.

O quadro atual é profundamente diverso. Portanto, alguns princípios modelares do plano já não são mais tão eficazes como foram no passado. Caso típico da taxa Selic.

A taxa básica de juros perdeu sua efetividade como instrumento regulador da pressão inflacionária. Além disso, trocamos a formação de uma poupança interna pela venda de títulos públicos atrelados à Selic, captados a custos estratosféricos. Ainda, com a crise do subprime em 2008, a saída foi incrementar os gastos públicos e desonerar a carga tributária. A partir daí, o ufanismo cingiu o semblante dos políticos.

Situação semelhante ocorreu em 1973. O mundo vivia a primeira crise do petróleo e nossos governantes faziam planos mirabolantes. O Brasil era uma ilha de prosperidade. A perspectiva econômica ufanista nos levou a uma tremenda inflação, controlada só 20 anos depois. Hoje, o sobrepeso do Estado sobre a economia compromete seriamente a eficiência das medidas corretivas. Vivendo à custa de uma dieta rica em calorias, proporcionada por uma concepção de Estado onipresente e clientelista, só temos conseguido aumentar o déficit nas transações correntes em relação ao PIB. De positivo em 0,8%, em 2003, para negativo em 2,3%, em 2010. Considerados os ajustes contábeis.

Medida saneadora seria a realização de uma lipoaspiração para eliminação das gorduras localizadas. Para maior eficiência, tal procedimento precisaria ser acompanhado de cirurgia de redução do estômago para limitar o ímpeto de um Estado voraz, que consome quase metade de tudo o que se produz no país. Em cirurgias desse tipo é sempre possível uma recaída. Para evitá-la, recomenda-se que o Estado livre-se rapidamente das áreas de infraestrutura, reduzindo seu apetite por verbas, cargos e tentações inomináveis. Privatizar aeroportos, ferrovias, portos, rodovias e hidroelétricas seria bastante saudável.

Para mantermos uma dieta menos calórica, recomenda-se a contratação de administradores com experiência comprovada nas diferentes áreas de atuação, dispensando milhares de gestores políticos despreparados. Somente com a aplicação dos conceitos de produtividade e qualidade poderemos nos livrar da falta de competência gerencial.

A situação atual não pode ser creditada a um governante específico. Tampouco as medidas devem ser aplicadas a um ministério em especial, órgão ou empresa do governo. Devem fazer parte de uma reengenharia na forma de administrar, entender o país e projetar o futuro. Uma oportuna revisão do Plano Real poderia representar o necessário PAC da Economia para colocarmos em ação algumas questões críticas do Brasil e assim não venhamos a passar vexame nos eventos esportivos de 2014 e 2016.

Nesse conjunto de situações, não é menor a responsabilidade de milhões de eleitores que, ano após ano, a partir de visões locais, interesses regionais ou partidários, outorgam cargos e grandes responsabilidades a políticos desqualificados. Alguns dirão ser esse o preço da democracia. Caso seja esse seu entendimento, pare de se preocupar com a inflação, viva feliz e sem reclamar da incapacidade até agora demonstrada pelo governo de adotar as medidas necessárias.

Carlos Stempniewski, mestre pela FGV, administrador e consultor, é professor de Economia e Política das Faculdades Integradas Rio Branco.

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