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O governo Itamar resolveu em 2 anos os dois maiores problemas econômicos legados pelo regime militar.

Será possível governar sem lotear os ministérios pelos partidos e, sem reeleição, deixar marca imperecível na história do Brasil? A julgar pela opinião unânime de políticos e analistas, as duas hipóteses parecem irrealistas.

Foi, no entanto, o que aconteceu 20 anos atrás. Ao gravar depoimento sobre o presidente Itamar Franco para o museu que será inaugurado em sua honra em Juiz de Fora (MG), lembrei que ele governou somente dois anos, metade do mandato presidencial.

Itamar não dispunha de tempo nem de maioria parlamentar. A rigor, seu próprio mandato era frágil, já que chegou à Presidência apenas em decorrência do impeachment de Collor. Não tentou comprar a maioria que lhe faltava negociando com os partidos ministérios e cargos. Nomeou quem escolheu, dentro e fora dos partidos. Não praticou o "presidencialismo de coalizão", suposta condição da governabilidade.

Mesmo assim, aprovou-se em seu governo algo que contrariava interesses entrincheirados no Congresso: a desvinculação de verbas orçamentárias para reduzir gastos públicos por meio da Emenda Constitucional nº 10. Fernando Henrique Cardoso, seu ministro da Fazenda, teve de dirigir apelo dramático para que o Congresso adotasse a proposta. Da mesma forma, as Medidas Provisórias do Plano Real e a legislação complementar precisaram ser exaustivamente negociadas.

Graças a esse esforço, o governo Itamar deixou resolvidos em dois anos os dois maiores problemas econômicos legados pelo regime militar: a crise da dívida externa e o iminente risco de hiperinflação.

Mudou as perspectivas do país, transformou em ascendente a curva da evolução econômica que mergulhava rumo ao caos, tornou possível tudo o que veio depois, inclusive em avanço social.

Poucos presidentes realizaram algo comparável apesar de terem tido muito mais tempo e apoio político. No caso do Plano Real, estiveram presentes duas condições que explicam o sucesso. De um lado, existia ameaça grave e iminente; do outro, o governo era o único capaz de afastá-la ao oferecer solução exequível, que deixava sem alternativa o Congresso e os partidos.

Marina Silva tem razão ao propor-se a governar com todos em função da solução dos desafios atuais, não na base de coalizões que fizeram explodir a corrupção sem aprovar reformas, nem resolver problemas. Também é ela a realista, não os críticos, ao comprometer-se a não buscar um segundo mandato.

A seu favor, conta com o precedente de Itamar e a vantagem estratégica de não atropelar ambições ao se limitar a ocupar o poder por quatro anos.

É ilusão crer que um tempo elástico permite concluir a obra e impor a própria vontade ao destino e ao futuro. O tempo nunca basta, pois, como sabia Fernando Pessoa: "O esforço é grande e o homem é pequeno [...] a alma é divina e a obra é imperfeita".

Ariano Suassuna, que temia não poder terminar seu último livro, gostava de citar os versos seguintes, em que Pessoa fazia o navegador Diogo Cão dizer: "... da obra ousada, é minha a parte feita:/ O por fazer é só com Deus".

Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) e ministro da Fazenda no governo Itamar Franco.

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