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reforma-administrativa
Vista aérea da Esplanada dos Ministérios em Brasília.| Foto: Ana Volpe/Agência Senado

O projeto de reforma administrativa (Proposta de Emenda Constitucional 32/2020), em tramitação na Câmara dos Deputados, concebido sob as diretrizes do Ministério da Economia, reincide em equívocos cometidos em reformas anteriores, ignorando a principal fonte de problemas para a eficiente gestão da coisa pública, que são os processos obsoletos e descolados dos interesses da maior parte da população.

Novamente, o objetivo do projeto é de viés simplista, prevendo somente reduzir despesas com os servidores públicos pela via da supressão de direitos, enquanto a execução, na grande parte da administração pública brasileira, permanece em processos herdados de uma tradição cartorial, de muita complexidade e pouca transparência, fator principal que impede a boa realização de serviços, e estaciona o Brasil entre as nações com o ambiente menos favorável para a realização de negócios e investimentos.

Nesse debate há uma indevida contraposição entre o bem-estar dos servidores e a eficiência do serviço, como se fossem coisas distintas e incompatíveis. Ao se olhar para o mundo atual, entretanto, é de se concluir absolutamente falso o discurso que uma classe de servidores públicos remunerada com dignidade e detentora de direitos que lhes garantem o fiel exercício de suas funções torna-se preguiçosa e acomodada.

É inquestionável que deve haver boa correspondência entre o grau de qualificação, complexidade, responsabilidade e dedicação exigida ao servidor público nas suas funções, e a remuneração oferecida em contraprestação. Além disso, é preciso também considerar as restrições pessoais a que se submetem determinadas carreiras, inclusive no âmbito da cidadania, impedidos que ficam em direitos políticos.

Por outro lado, deve-se ter em vista que o estímulo para o bom desempenho de tarefas, assim como a escolha da profissão, não repousa exclusivamente na contraprestação financeira que é oferecida. Repousa também no grau de realização pessoal daquele que a realiza. Essa é a razão do crescente número de pessoas que têm optado por uma remuneração inferior, em face de um propósito que faça sentido em suas vidas.

Ao mirar as grandes corporações privadas, verifica-se, cada vez mais, o investimento no bem-estar de seus empregados: são oferecidas vantagens para atrair os mais capacitados do mercado, sejam elas de natureza salarial, sejam em benefícios indiretos, além da crescente flexibilização de regimes de trabalho diferenciados, que possibilitam maior convívio familiar e social. É estimulada a qualificação intelectual, o desenvolvimento de ideias, o crescimento como indivíduo integrante de um projeto maior. Aposta-se no sentimento de pertencimento, que gera o bom envolvimento de todos e o desejo de fazer melhor.

Ao tratar o servidor público como um problema para o país, suprimindo-lhe direitos, a reforma gera o efeito inverso do que deveria buscar. No lugar de pertencimento, envolvimento e satisfação na realização das tarefas, a retirada de direitos gera a frustração, o desânimo e o sentimento de injustiça. O serviço público torna-se menos atrativo, menos recompensador e menos satisfatório.

Para que isso ocorra, deve-se promover uma mudança de filosofia na gestão pública, que nada tem a ver com extinção de direitos. Ao contrário, o ponto de partida deve ser a valorização dos servidores, estimulando-lhes a criatividade, a imaginação, o trabalho colaborativo, reconhecendo e premiando práticas inovadoras. Mas, para tanto, é imprescindível criar um ambiente favorável à circulação de ideias. E nada disso será possível sem boas estruturas de trabalho, e quando as preocupações vencimentais e de estabilidade estiverem a sobrepor o desejo de melhor desempenhar as funções do cargo.

No serviço público, temos exemplos de alto grau de eficiência em instituições onde ocorreram fortes investimentos em tecnologia e inovação, resultando em serviços que bem atendem às necessidades da população. A relação a ser feita, necessariamente, é do grau de investimentos em inovação e tecnologia para acompanhar as demandas públicas. Quanto maior a disposição em inovar e modernizar processos, maior será a economia de recursos e a eficiência. Essa é, afinal, a verdadeira reforma do serviço público que o Brasil precisa.

Márcio Silva Maués de Faria é mestre em Direitos Humanos, promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Pará e presidente da Associação do Ministério Público do Estado do Pará.

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