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A reforma do Código Florestal volta a ser debatida no início da próxima semana, na comissão especial da Câmara dos Deputados, agora com um novo parecer de seu relator, o deputado Aldo Rebelo, que anunciou alterações no texto na última terça-feira. A mais substancial diz respeito à obrigatoriedade das reservas legais em propriedades com até quatro módulos rurais, mas elas só serão exigidas nas áreas onde ainda há vegetação remanescente. As propriedades que já eliminaram a vegetação nativa estão dispensadas de recompor as reservas legais.

Apesar de o novo parecer trazer modificações importantes – como esta, que visa à preservação de áreas remanescentes – ele traz diversos equívocos. O fato de os produtores que já devastaram suas reservas não precisarem recompô-las é um deles. A anistia proposta privilegia quem descumpriu a lei e, consequentemente, penaliza quem sempre investiu tempo e dinheiro na conservação. Se for aprovada dessa forma, mais uma vez assistiremos à conquista de quem destrói com aquela sensação de que no Brasil não há punição para quem descumpre a lei, principalmente a ambiental.

O deputado Aldo Rebelo já admitiu dar voz aos ruralistas em seu texto. Ao afirmar isso, ele atesta o fato de que ainda prevalece no Brasil uma política voltada a interesses particulares em detrimento dos interesses coletivos. In­­feliz­­mente, com as atuais propostas de alteração do Código Florestal – com a previsão de redução das Áreas de Preservação Permanente (APP) e reservas legais – não vamos superá-la.

Quem defende essas propostas de mudanças não mede as consequências delas para a manutenção dos ciclos ecológicos, que garantem não só a vida no planeta, mas também, a curto e médio prazos, as atividades econômicas que são as justificativas para essas mesmas alterações. Um exemplo claro disso é que a falta de cobertura vegetal natural diminui os nutrientes do solo e o deixa vulnerável a processos erosivos, o que o empobrece e inviabiliza a atividade agrícola em pouco tempo.

A qualidade da água também é afetada. Com o solo mais exposto, ela fica mais suja, pois recebe maior quantidade de sedimentos, restos de culturas agrícolas e agrotóxicos, provocando, inclusive, o aumento dos custos de tratamento.

O Código Florestal brasileiro é um dos mais modernos e avançados do mundo e, ao contrário do que se tem dito, tem fundamento. As suas indicações de tamanhos de área de reserva legal e APPs que precisam ser mantidas para conservar a biodiversidade local eram válidas em 1965, quando entrou em vigor, e continuam sendo pertinentes até hoje.

Estudos recentes validam a legislação e indicam, inclusive, que se fosse para alterá-la, a mu­­dança deveria ser feita ampliando as áreas mínimas de preservação, jamais as diminuindo. As APPs ao longo de rios deveriam ser ainda maio­­res, com pelo menos 200 m de área florestada de cada lado, para que haja uma plena conservação da biodiversidade.

Outra proposta de alteração é a sobreposição das reservas legais às APPs, o que também seria um equívoco, pois elas são complementares em termos de conservação. A primeira propicia im­­portantes serviços ecossistêmicos, como o controle de pragas, e aumento da polinização e da produtividade de algumas culturas. Já as APPs têm como função ambiental preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas, conforme especificado no artigo primeiro do Código Florestal.

Incorporar essas propostas de redução das áreas naturais seria um retrocesso e uma demonstração clara de que ainda nos falta a consciência de que dependemos da natureza para garantir o fornecimento de água doce, a regulação do clima, a qualidade do ar e a produção de alimentos. Pre­­cisamos ter limites e respeitá-los para vivermos em equilíbrio e preservarmos a vida na Terra.

Maria de Lourdes Nunes, engenheira florestal, é mestre em Conservação da Natureza e diretora executiva da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza

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