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O trecho do Evangelho de hoje começa com uma frase que podemos facilmente ser mal interpretada: "Na casa de meu Pai há muitas moradas. Eu vou preparar-vos uma morada; quando a tiver preparado, eu voltarei e vos tomarei comigo. E vós conheceis o caminho para aonde eu vou" (Cf. Jo 14, 2-4). Parece que aqui Jesus quer dizer que chegou para Ele a hora de ir para o céu e promete que lá vai preparar um lugar também para os seus discípulos.

Esta explicação não satisfaz, porque principalmente temos a convicção de que no paraíso tudo está já pronto há muito tempo e também porque a ideia de cadeiras numeradas, correspondentes aos vários graus de premiação que cabe a cada um, não nos atrai de maneira nenhuma. O sentido da frase é diferente, muito mais concreto e atual para nós e para a vida de nossas comunidades. Jesus afirma, antes de tudo, que Ele deve percorrer um caminho difícil e acrescenta que os seus discípulos deveriam conhecer muito bem esse caminho, porque já falou dele muitas vezes. Tomé, porém, responde em nome de todos:  nós não conhecemos esse caminho e não conseguimos entender, de maneira alguma, onde tu queiras chegar. Jesus toma de novo a palavra e explica que ele vai percorrer esse caminho antes, e depois, cumprida a sua missão, voltará e levará consigo os seus discípulos e lhes dará a coragem de seguir os seus passos.

Penso, agora, que todos entenderam qual é esse caminho. Trata-se do caminho para a Páscoa, caminho difícil, porque exige o sacrifício da própria vida pelos irmãos. Jesus falou muitas vezes, mas os discípulos sempre manifestaram dificuldades para entender: quando acenava para o dom da vida, preferiam distrair-se, pensando em outras coisas. A esta altura fica também esclarecida a questão das muitas moradas na casa do Pai. Quando alguém aceitou seguir o caminho perseguido por Jesus, eis que de repente se encontra na casa do Pai. Que casa é esta? Não o paraíso, mas a comunidade cristã. É ali que há muitos lugares, isto é, muitos serviços a fazer, muitas funções a serem desempenhadas. Há muitas formas de concretizar o dom da própria vida. Os muitos lugares, outra coisa não são senão os diversos ministérios, as diversas situações nas quais cada um tem a possibilidade de colocar à disposição dos irmãos as próprias capacidades.

Até o Concílio Vaticano II os leigos não eram considerados membros ativos da Igreja; não participavam da Eucaristia, mas assistiam, não celebravam o sacramento da reconciliação, mas iam receber a absolvição. Em suma eram expectadores inertes da atividade da hierarquia. Hoje, finalmente, começou-se a entender que todo cristão deve ser ativo, deve ter um dever a cumprir na comunidade. Jesus ensina que, no desempenho do próprio ministério, não pode ter motivo de inveja e de ciúmes: os lugares, isto é, os serviços a serem prestados aos irmãos são múltiplos e somente quem ainda não foi sacudido pela novidade de vida, comunicada pela fé no Ressuscitado, pode permanecer inativo. Na sociedade civil o cargo é avaliado, com base no poder, no prestígio social que confere, no dinheiro com o qual é remunerado. O lugar que Jesus prepara, ao contrário, é avaliado na base de outro critério: aqueles dos serviço. O melhor lugar é aquele onde se pode servir o irmão mais e melhor. Coloquemo-nos uma pergunta: qual é o percentual dos membros ativos da minha comunidade? Há compromissos que ninguém quer assumir? Existe competição para tomar para a responsabilidade de alguns cargos? Dos muitos lugares de trabalhos preparados por Jesus, há ainda muitos que estão descobertos? Há os desempregados? Porque?

A segunda parte do Evangelho deste Domingo está centrada na pergunta de Felipe: "Senhor, mostra-nos o Pai e isto nos basta" (Jo 14, 8). Na sua resposta, Jesus esclarece uma verdade fundamental: ninguém pode ver o Pai. Como poderão então os homens conhece-lo? Há somente uma maneira: olhar para o Filho, para Jesus que a sua imagem perfeita: quem vê a Ele, vê o Pai. Basta contemplar o Cristo, observar o que Ele faz, o que ele diz, o que ensina, como se comporta, como ama, a quem Ele prefere, quem Ele visita, a quem acaricia, por quem se deixa acariciar, com quem Ele toma as refeições, a quem escolhe, a quem adverte, a quem defende... porque o Pai também faz assim. Numa palavra: Jesus é de fato a face humana de Deus.

Dom Moacyr José Vitti, CSS Arcebispo Metropolitano de Curitiba

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