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O sistema educacional brasileiro sofreu um duro golpe com o vazamento do conteúdo das provas do Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem. Foram prejudicados mi­­lhares de estudantes e também houve pre­­juízos ainda não mensurados. Ficou evidente a falta de planejamento, de responsabilidade e de zelo daqueles que, teoricamente, deveriam cuidar do que é da alçada pública.

É isso o que ocorre quando a gestão governamental deixa de ter como foco a eficiência administrativa e o bem-estar do cidadão, passando a privilegiar fins eleitoreiros.

Com o cancelamento e posterior adiamento do Enem, nada menos do que R$ 34 milhões já foram gastos na impressão, sendo que, para a nova prova, provavelmente será empregado um valor ainda superior a esse. O Ministério da Educação te­­rá de retirar dinheiro de suas atividades fins para fazer frente ao gasto inesperado. Outras perdas menos tangíveis incluem a desistência de universidades de peso que não vão mais contabilizar as notas do Enem em seus vestibulares, como a USP e a Unicamp. Isso sem falar no fim do sonho de estudantes que se prepararam o ano inteiro.

No entanto, nada é pior do que a perda de credibilidade do processo. Evidente­­mente que nessa situação, o maior atingido é o ministro da Educação, que considero honesto e trabalhador, mas que tem deixado clara a falta de maturidade por não ter se sentado junto ao Conselho Universitário para tratar do assunto. O governo demonstra mais uma vez a total falta de compromisso com o aparelho formador e, consequentemente, com o futuro das novas gerações.

Esse descompromisso, aliás, já virou praxe no atual governo. É o que ocorre, por exemplo, na área de medicina. Inúmeras escolas foram abertas indiscriminadamente, sem necessidade, sem inserção social e sem estrutura adequada para formar um bom profissional médico, com um modelo pedagógico que muitas vezes não sai do papel.

Assim, temos faculdades sem hospital-escola, com corpo docente desqualificado, sem boa grade curricular, só para apontar algumas deficiências. Perdem todos com isso. Quem sonha em ser médico gasta uma fortuna nessas escolas e recebe o diploma sem ter o aprendizado necessário. Já a população fica à mercê de profissionais que representam perigo à saúde e à vida. Só ganha o mau empresário dono da escola que não oferece a contrapartida da qualidade.

Em distintas áreas a realidade é semelhante. O descaso do governo vale também para a área do Direito, Pedagogia, Arquite­­tura e tantas outras, cuja interferência tem sido aparentemente demagógica. Parece mesmo que a ideia é usar a máquina do Estado apenas para fins populistas.

Agora, mesmo em ano pré-eleitoral, fala-se em fornecer milhares de uniformes subsidiados a estudantes da rede pública do ensino fundamental e médio, com logotipos do governo federal, do Ministério da Educação e do Fundo Na­­cional de Desenvolvimento da Educação. Para as autoridades de plantão o que vale é a propaganda. Não importa se o aluno não recebe ensino adequado, se as escolas não têm estrutura, se os professores ganham pouco e não possuem oportunidade de aprimoramento.

É intrigante como tudo ocorre com a maior desfaçatez. É aí que vem à baila a vergonhosa fraude do Enem, fruto de falta de planejamento, de responsabilidade e de conhecimento. A administração, em qualquer nível, não pode ser um trampolim para a carreira político-partidária.

Antônio Carlos Lopes é presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica

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