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Agosto é o pico da alta temporada turística, o que significa que, neste momento, milhões de norte-americanos estão aí pelo mundo, criando as histórias com que entreterão os convidados de muitos jantares e os netos nas próximas décadas.

Porém, conforme as resenhas dos usuários vão sendo publicadas em números proporcionais, pode-se dizer que as redes sociais substituíram a interação ao vivo; os dados internacionais acessíveis dominaram o que já foi um mundo caótico ao ponto da submissão digital, fazendo com que aquele troca-troca de viagem tão bom esteja em declínio. O maior acesso às informações implica em um número menor de decisões espontâneas e surpresas. “Descobri uma trattoria supergostosa em Roma” hoje significa “Li sobre a casa no Yelp”, e as histórias de namoricos de verão têm altas chances de começarem com “Deu match no Tinder” em vez de “Eu a conheci na fila do Comédie-Française” (fato verídico).

E não é só na Itália ou na França; até os destinos menos tradicionais vêm sendo documentados minuciosamente. Quer saber o que pedir no almoço no Bobodia, uma casa especializada em frango halal no centro de Bobo-Dioulasso, em Burkina Faso? “Não pense duas vezes para pedir o refogado de rim e fígado com salsinha!”, diz uma resenha do TripAdvisor, transposta para o inglês com apenas um clique.

Se esse tipo de avaliação ajuda ou traduz só disparates é um caso subjetivo, mas, de qualquer maneira, será que bater um prato de miúdos na África Ocidental não seria uma história muito mais divertida se você se deparasse com o restaurante sem querer, em vez de ir procurar o conselho da Chantal J., de Marselha? Em outras palavras, se as melhores experiências de viagem acontecem quando as coisas saem da programação original, por que planejamos tanto?

A viagem de verão é uma daquelas raras chances de sair da rotina e fugir da nesga do planeta que habitamos o resto do ano

Não estou sugerindo que vocês saiam a esmo pela Mongólia sem nem abrir um guia (embora a ideia pareça bem divertida); para a grande maioria, pelo menos alguma preparação anterior é necessária. Eu sempre traço um “plano esqueleto”, mas não hesito em abandoná-lo em um segundo se surgir algo melhor, o que quase sempre é o caso.

Há alguns anos, minha namorada na época e eu seguíamos por um trecho modorrento de estrada no litoral da Carolina do Sul, a caminho de Charleston, onde ficaríamos um dia antes de irmos para Savannah, na Geórgia – quer dizer, até eu ver a Carolina Country Store, um armazém geral charmoso de madeira branca que anunciava amendoim cozido.

Sugeri uma parada para experimentarmos a iguaria, embora não tivesse motivo plausível para fazê-lo. Primeiro que, graças ao bufê de churrasco a US$ 6,95 de um restaurante chamado Hog Heaven (Paraíso do Porco), alguns quilômetros atrás, não estávamos com fome nenhuma; e depois, amendoim cozido é um horror, uma tradição sulista murcha e sem graça que prova, de uma vez por todas, por que Deus inventou a torrefação com mel.

Mas havia alguma coisa irresistível no lugar. Enquanto eu conversava com o dono simpático e admirava as relíquias e fotos antigas que enfeitavam as paredes, outro cliente começou a ensinar para minha namorada uma técnica para prender o jacaré com as mãos nuas que aprendera trabalhando em uma plantação histórica ali perto, segundo revelou. O patrão tinha viajado. Será que estaríamos interessados em dar uma espiada?

Hã, claro. Passamos as horas seguintes com ele, explorando um antigo moinho de arroz e inspecionando com reverência o espaço que já servira de senzala. Foi o tipo da tarde inesquecível.

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Já era fim de tarde quando chegamos a Charleston e, por isso, tivemos de passar todos os planos para a manhã seguinte. Fomos a alguns pontos de interesse, mas deles guardei apenas uma vaga lembrança, e é fato que não tenho nenhuma história para contar.

Os mais céticos podem dizer que tivemos sorte – afinal de contas, quantas paradas em restaurantes/lojas de beira de estrada resultam em uma lição grátis de aprisionamento de jacarés? Mas o que pode acontecer de ruim ao mudar os planos de viagem e optar por algo espontâneo? Fazer uma refeição medíocre? Perder a oportunidade de fazer uma selfie na 14.ª atração mais badalada da cidade? Desistir de programas já virou hábito para mim, e não me lembro de ter me arrependido uma única vez de fazer um desvio espontâneo.

Houve uma vez em Nápoles, na Itália, em que fiquei tão cheio de sair conferindo as dez melhores pizzarias locais – lotadas de turistas – que decidi fugir uma noite e fazer uma parada em uma estação de metrô aleatória para comer na primeira casa que encontrasse. Em outra ocasião, quando vi que o mosteiro no litoral albanês não estava onde deveria estar, parei o carro alugado e saí andando por uma estradinha de terra sem sinalização nenhuma. De outra feita, encontrei Oaxaca lotada e caríssima, peguei um ônibus para o interior e pedi ao motorista sugestão de cidadezinhas mexicanas bonitinhas e não turísticas.

A noite napolitana me levou a um sujinho barulhento, frequentado por universitários, onde comi a melhor pizza da minha vida – embora até hoje não saiba se era tão boa assim ou se foi a empolgação da descoberta que a deixou tão gostosa (mas também não faz diferença). A estradinha albanesa me levou a uma praia paradisíaca onde não resisti a um mergulho pelado (e descobri depois que um casal de austríacos escondido sob um rochedo ficou me observando o tempo todo). O dia na aldeiazinha aleatória teve um mole de frango caseiro animal e uma visita a um mosteiro do século 16 que nem aparecia no TripAdvisor (o que me levou a crer que a empresa pode ter uma certa preferência por casas de frango halal na África Ocidental).

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Os céticos mais articulados podem alegar que eu, enquanto jornalista de turismo, passo inúmeros dias por ano na estrada e tenho tempo para me arriscar, enquanto o público em geral tem dez dias de férias anuais e quer aproveitar todos ao máximo. Ou que, viajando com os filhos, não podem se dar ao luxo de cometer erros. Ou que querem impressionar o namorado(a)/cônjuge, e não fazer uma expedição nível National Geographic. E, de fato, além de homem, sou branco, por isso tenho muito menos a temer.

Todos os argumentos são válidos, mas não estou dizendo que vocês devem viajar à minha maneira. “Aventura” é um conceito relativo; a noção de evento insano de um jovem em um ano sabático (tomar um ônibus na América Central, por exemplo) difere totalmente da do casal com filhos (hospedagem com uma família local) e daquela da marinheira de primeira viagem internacional que troca um passeio grupal por uma tarde sozinha, andando a esmo.

É claro que não há nada de errado em ser levado a ver monumentos, montanhas e ótimos restaurantes, sem a mínima preocupação – se esse for exatamente o seu objetivo.

Porque, se não for, há algo muito errado aí, principalmente se o fluxo de informações, a tentação irresistível do smartphone e o número cada vez maior de as ofertas “autênticas” de uma indústria de turismo mais e mais intervencionista estiverem lhe roubando a espontaneidade.

A viagem de verão é uma daquelas raras chances de sair da rotina e fugir da nesga do planeta que habitamos o resto do ano. Antes era fácil diferenciar os viajantes independentes dos lemmings que seguem guias empunhando bandeiras, mas hoje não dá mais para ter certeza. Se sua viagem segue uma agenda rigorosa inspirada nas resenhas de outros viajantes, contas populares do Instagram e listas dos Dez Mais, será que não está fazendo uma excursão virtual com o smartphone brandindo os cartazes?

Seth Kugel, ex-colunista da Frugal Traveler (Viajante Frugal) do New York Times, apresenta uma série sobre viagens no YouTube chamada “Globally Curious” e é autor do ainda inédito “Rediscovering Travel: A Guide for the Globally Curious”.
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