• Carregando...

Imagine que você organizou uma festa e convidou muitas pessoas brilhantes e interessantes. Imagine que o seu colega de quarto não ajudou nos planos ou com os gastos e, mesmo assim, na noite da festa, ele aparece e se apresenta como anfitrião. Imagine, ainda, assistir a isso sem poder fazer nada, enquanto o tal oportunista gaba-se às suas custas e em cima de seus esforços. Agora, imagine que essa festa custou US$ 20 milhões. Assim Abram Sauer, colunista do Interbrand, elucidou em poucas palavras do que se trata, na prática, o ambush marketing ou, em tradução literal, “marketing de emboscada”.

Trata-se, tecnicamente, de uma estratégia de marketing pela qual uma empresa tenta associar sua marca a um evento sem ter de fato adquirido cotas de patrocínio. Exemplos clássicos de tal manobra podem ser observados durante eventos esportivos como Copa do Mundo e Jogos Olímpicos, como nos casos em que atletas são orientados a exibir a marca de seus patrocinadores – que, muitas vezes, não são patrocinadores do evento – durante as competições e em transmissões jornalísticas relacionadas a tal evento.

Do lado oposto do oportunista (para tais fins, conhecido como freeloader) estão as empresas que patrocinaram e investiram fortemente para que o evento pudesse acontecer em troca dos direitos de uso, exploração comercial de marcas, direitos autorais e direitos conexos e associação de suas próprias marcas a tais eventos.

Apesar de tal prática parecer, a princípio, nada mais que um simples retrato da livre concorrência – até porque carecemos de regulamentação específica para o tema –, os efeitos danosos são inegáveis, uma vez que existe a tentativa de atrair consumidores de forma desleal. Eles, a rigor, também são vítimas da confusão causada, porque ela coloca em xeque o evento como um todo, desde a organização até a credibilidade para engajar futuros investidores.

Os consumidores também são vítimas da confusão causada pelo marketing de emboscada

Não é à toa que, em tempos de Jogos Olímpicos, há de se dar a devida atenção à questão, motivo pelo qual os comitês olímpicos, em conjunto com entidades como o Instituto Nacional da Propriedade Industrial e o Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária (Conar), desenvolvem uma série de medidas com o objetivo de coibir a prática desleal e criar mecanismos de proteção, não apenas ao objeto do direito em si – como é o caso das marcas envolvidas e licenciadas, por exemplo –, mas também aos sujeitos, sejam os patrocinadores, apoiadores oficiais e o público consumidor do evento.

Sob a perspectiva normativa, até a publicação da Lei da Copa, em 2012 (Lei 12.663/12), não possuíamos nem sequer a definição do ato que configura o marketing de emboscada. A partir de então, contudo, foram criminalizadas as condutas de marketing de emboscada por associação e marketing de emboscada por intrusão, com penas que variam entre três meses a um ano de prisão ou multa, a ser definida com base na capacidade financeira do infrator e na vantagem indevidamente auferida por intermédio do ato ilícito.

No mesmo sentido dispõe Lei 13.284/2016, que trata, entre outros temas, das medidas relativas aos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016 e aos eventos relacionados realizados no Brasil. Referida lei trata, de forma bastante objetiva, do acesso e da necessidade de autorização expressa pela organização do evento (Comitê Olímpico Internacional e Comitê Paralímpico Internacional) para realizar a captação de imagens e sons e da radiofusão, transmissão, exibição e retransmissão do evento para fins comerciais. Dispõe, ainda, que a retransmissão deve ser autorizada aos veículos interessados, observada, todavia, a proibição quanto a qualquer “associação dos flagrantes de imagens a qualquer forma de patrocínio, promoção, publicidade ou atividade de marketing”.

À parte das disposições especificamente relacionadas à Copa de 2014 e aos Jogos Olímpicos deste ano, bem como daquelas constantes do Código do Conar, que condena proveitos publicitários e ilegítimos obtidos por meio de “emboscada”, há vários dispositivos pulverizados no direito brasileiro que podem ser aplicados caso a caso, pois o marketing de emboscada nada mais é que a tentativa de “pegar carona” no investimento alheio por intermédio da divulgação e exposição não autorizada de marcas, estabelecimentos, produtos e serviços, com a intenção de obter vantagem econômica ou publicitária.

Vale destacar que quem pratica tal ação pode incorrer em atos de concorrência desleal e de infração de marca alheia registrada, caracterizando crime contra registro de marca. Ressalte-se, ainda, que as marcas de titularidade das entidades organizadoras do evento gozam, até 31 de dezembro de 2016, da mesma proteção especial outorgada àquelas consideradas de alto renome, desde que protocolada – junto ao INPI – a lista de tais marcas no prazo de até três meses antes da realização dos Jogos Olímpicos.

A despeito de tais medidas, é indispensável que os próprios patrocinadores estejam atentos, bem como é altamente recomendável que sejam seguidas as orientações indicadas no Guia de Proteção às Marcas dos Jogos Olímpicos Rio 2016 de modo a evitar a ocorrência da “emboscada”.

Camila Giacomazzi Camargo é advogada e mestre em Direito da Propriedade Intelectual pela Universidade de Torino/Academia da Organização Mundial da Propriedade Intelectual.
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]