O Brasil engatinha nessa coisa chamada democracia – que não é perfeita, pelo contrário, mas ainda é a opção com menor risco de derrapar de vez – e ainda não aprendeu algumas lições básicas desse regime. Uma delas, quiçá uma das mais importantes, é que nunca houve, não há e nem haverá salvadores da pátria. Nem à direita, nem à esquerda, nem no meio do caminho. Apelar para as instituições, Judiciário, Legislativo ou Exército, igualmente é dar com os burros n’água. Pura perda de tempo e energia – e fonte de raiva e decepção.
Sobre o Judiciário, melhor nem comentar. Já estamos cansados de ver nossos juízes, especialmente os das cortes superiores, adotando medidas que pisam na Constituição. Ser ao mesmo tempo juiz e executor virou modinha essa casta de escolhidos, que vive num mundo à parte, bem distante da realidade dos brasileiros. Como o corporativismo é a regra, o Judiciário não liga muito para o que os brasileiros pensam e nem está disposto a cortar na própria carne para punir os abusos, como os de Xandão. Se depender do Judiciário, o Brasil seguirá como está: um reino governado pelos “magistrados esclarecidos”, como lembrou o professor Jean Marcel Carvalho França em artigo aqui na Gazeta do Povo.
A democracia brasileira precisa de uma população preparada e disposta a atuar na vida pública em todas as esferas. Apertar as teclinhas da urna a cada quatro anos nem de longe se aproxima de uma atuação cidadã.
E o Legislativo? Desculpe desfazer suas ilusões, sei que você pode ter votado em deputados e senadores acreditando piamente que eles seriam seus defensores absolutos na Câmara e no Senado, mas se prepare para se decepcionar. Tirando as postagens lacradoras nas redes sociais e discursos inflamados na tribuna, nossos parlamentares são pífios, muito caros e pouco produtivos. E pior: se você tirar os olhos deles por um momento, eles “esquecem” suas funções e te apunhalam as costas. Exagero? Deixe de seguir as redes sociais do seu deputado ou senador de estimação e vá lá no site do Senado ou da Câmara pesquisar o que ele realmente está fazendo: muito pouco, provavelmente quase nada. Palestrinha inflamada contra comuna ou a favor das liberdades constitucionais na tribuna da Câmara ou do Senado não resolve nada. Fica a dica.
“Ah, mas então nosso Exército vai nos salvar”. Não vai e nem poderia. Uma ação autónoma do Exército significaria exatamente o fim daquilo que se quer: a democracia. Não sou eu quem diz, é a Constituição. Quando o Exército age por si mesmo, sem ser provocado por um dos Três Poderes instituídos (e o povo não é um deles, frise-se), se está diante de um golpe militar. O Brasil já viveu isso e, não, não foi um período para se comemorar: todo governo militar mina as liberdades constitucionais – até porque a própria Constituição vai pro lixo.
A Constituição não prevê uma ação autónoma do Exército, logo, ao agir sem ser provocado, o Exército estaria indo contra a Constituição. E mais: até hoje nunca se viu um governo militar garantindo as liberdades individuais, como a básica liberdade de expressão e imprensa. Ditadura é ditadura, seja fardada ou com bandeira vermelha. É o mesmo que achar que regimes comunistas são democracias. Se alguém conhecer algum, me avise, por favor. Claro, tem gente que vê problema de o Brasil virar (de novo) uma ditadura militar; cada um é livre para pensar no que que quiser, inclusive eu, para achar que seria um grande erro.
A verdade é que ninguém vai salvar a democracia brasileira num passe de mágica. Seria bom, seria mais fácil, seria perfeito que um ser divino ou instituição pudesse fazer o Brasil se tornar uma democracia madura e eficiente num estalar de dedos. Só que não é assim.
Mas isso não significa que só nos resta assistir ao nosso país afundar ou ir de acordo com as marés dos governos de plantão. Muito pelo contrário: significa que temos de agir intensamente, mas do jeito certo, assumindo nossa responsabilidade, participando ativamente da política, da administração e da vida pública, a começar pela rua onde se mora, passando pela cidade, estado, país. Chega de ficar pedindo esmola para instituições ou políticos. Eles não nos salvarão.
A democracia brasileira precisa de uma população preparada e disposta a atuar na vida pública em todas as esferas. Apertar as teclinhas da urna a cada quatro anos nem de longe se aproxima de uma atuação cidadã. E muito menos queimar pneus em estrada e impedir gente de transitar enquanto se suplica por uma intervenção que não virá. Ser cidadão, sinto informar (será que você está preparado para essa conversa?), é muito mais chato, trabalhoso e demorado. Não tem glamour algum, não dá curtida de celebridade e nem rende views. É bem possível que apenas nossos netos vejam os resultados do que começarmos a fazer agora. Mas, diferente de bravatas, poderá ter, sim, um resultado duradouro. Como fazer isso? Fica para o próximo artigo porque o assunto é longo.
Jocelaine Santos é jornalista e editora na Gazeta do Povo.
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