Imagem da obra Memória, pintada por Rene Magritte (1898-1967).| Foto: Reprodução
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O homem se aperfeiçoa com o tempo? A sociedade se torna cada vez melhor? A humanidade evolui para melhor? Não. A mim e a muitos como eu, a resposta é negativa e evidente. Mas, o tema tem altas credenciais filosóficas há séculos.

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Dizer da perfectibilidade ou do seu oposto em relação a humanidade não é dizer dos seus avanços técnicos específicos. Homens e mulheres aprendem coisas ao longo da história e acumulam essa aprendizagem. Podem ser melhores carpinteiros, melhores médicos, assassinos mais competentes, terroristas mais frios e violentos, enfim, isso não se discute. Agora, se a natureza humana se aperfeiçoa moralmente, essa é outra história.

Crianças são egoístas, as professoras não precisam ensiná-las a não dividir o brinquedo com as outros, as professoras precisam ensiná-las o contrário. O homem é ressentido, inseguro, generoso raramente.

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Eu respondo negativamente a esta hipótese no livro Diálogos acerca da natureza humana, mas através de um diálogo com vários autores e momentos da história da filosofia e da teologia em que se afirmou a perfectibilidade. Derrotá-la é enfrentá-la em seu território, no seio da crença de que a cada momento aprendemos a ser moralmente mais perfeitos, ferindo nossa vaidade mais banal.

Natureza humana aqui não é nenhuma afirmação forte sobre uma substância imutável que nos define. Não perco tempo com essas controvérsias entre teólogos x antropólogos ou darwinistas x historiadores. A discussão parece-me risível. Não se trata de nenhum pecado original ou herança genética determinante. Trata-se apenas de uma afirmação leve do conceito de natureza humana.

Natureza humana pra mim é o seguinte: mantidas certas condições internas e externas dadas, o comportamento humano tende a se repetir ao longo do tempo. Seres humanos invejam, amam loucamente, odeiam, roubam, matam, mentem, destroem os outros e a si mesmos há milhares de anos, e as causas continuam sendo basicamente as mesmas: dinheiro, poder, sexo, desejos. Crianças são egoístas, as professoras não precisam ensiná-las a não dividir o brinquedo com as outros, as professoras precisam ensiná-las o contrário. O homem é ressentido, inseguro, generoso raramente.

O mundo ocidental, criador da utopia racionalista moderna, nem sempre viu a perfectibilidade como uma realidade.

O que caracteriza a crença na perfectibilidade é a ideia que mudando o sistema político, a forma social, a história psicológica e pedagógica, investindo na razão, os seres humanos evoluem. Nada na história da humanidade sustenta essa crença, nem mesmo as ilusões e utopias modernas dos últimos 200 anos.

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O mundo ocidental, criador da utopia racionalista moderna, nem sempre viu a perfectibilidade como uma realidade. A Grécia antiga, que discuto longamente no livro, não apresenta indícios de crença na perfectibilidade. Mesmo que em alguns filósofos apareçam formas tímidas do que poderia ser uma crença na capacidade da filosofia tornar os jovens melhores governantes, na prática nunca funcionou. O universo religioso e cultural grego é inundado de contingência o que, por si, inviabiliza qualquer ideia de evolução da espécie – nunca no sentido darwiniano, mas hegeliano, de modo empobrecido.

Nas polêmicas da graça a partir de Santo Agostinho nos séculos 4 e 5 nasce de fato a questão da perfectibilidade x imperfectibilidade. O pecado original destruiu em absoluto a liberdade e autonomia humanas? Deus dá uma graça a todos para se salvar dessa herança ou só a alguns? A natureza humana aprende a ser melhor moralmente por si mesma?

Mesmo abandonando as águas da teologia, o tema da perfectibilidade acaba se impondo como antropológica filosófica em autores já distantes de qualquer referência a fé. Com a modernização, o iluminismo e sua fé na razão absoluta, o positivismo, os avanços científicos, e a racionalidade burguesa, crente no progresso inexorável de si mesmae da sua ética utilitarista, a dúvida cética quanto a perfectibilidade perde espaço por “fazer mal aos negócios”, a vaidade da alma burguesa e sua ciência predileta, o marketing. Este é o maior defensor da ideia de perfectibilidade hoje em dia, apesar dos profissionais da área nem imaginem o que isso seja.

A ideia de livre reinvenção de si mesmo, da capacidade infinita de aprendermos a sermos mais competentes e honestos, nos dá a falsa certeza que nos serve, antes de tudo, para alimentar a vaidade de um ser condenado ao desamparo e ao mal estar como nós – Freud, claro, grande crítico da perfectibilidade. Compreender isso serve como um enorme balde de água fria na modernidade e seu surto de crença na perfectibilidade. A modernidade é um surto em si mesma, sendo a perfectibilidade sua vaidade maior.

Luiz Felipe Pondé é doutor em Filosofia, professor, ensaísta e escritor. É autor, entre outros, do livro “Diálogos acerca da natureza humana: perfectibilidade e imperfectibilidade” (nVersos Editora).

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