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Nossa alimentação está nos matando
| Foto: Pixabay

O debate democrata sobre a assistência médica até agora se preocupou apenas com quem terá cobertura e quem vai pagar a conta; na verdade, é uma discussão que se arrasta há décadas, não oferece soluções definidas e não pode ser resolvida facilmente por causa de duas realidades básicas: o serviço de saúde é caro e os norte-americanos estão doentes.

A população se beneficia de profissionais altamente especializados, instalações impressionantes e acesso a medicamentos e tecnologias de ponta, mas, a menos que algumas dessas regalias sejam eliminadas, nosso sistema continuará oneroso. Podemos começar a enxugá-lo pelas bordas – por exemplo, com mudanças nos preços das medicações, custos administrativos mais baixos, reduções nos pagamentos a hospitais e prestadores de serviços e nos procedimentos defensivos e desnecessários. Essas medidas podem até retardar o aumento dos gastos com a saúde, mas o fato é que as despesas vão continuar crescendo com o envelhecimento da população e o avanço da tecnologia.

E os norte-americanos estão doentes, muito mais do que muita gente se dá conta. Mais de 100 milhões de adultos – quase metade da população adulta total – têm pré-diabetes ou diabetes. As doenças cardiovasculares afligem aproximadamente 122 milhões e causam 840 mil mortes por ano, ou cerca de 2,3 mil mortes por dia. De cada quatro adultos, três estão acima do peso ou são obesos. Em outras palavras: há mais gente enferma do que saudável neste país.

Em vez de discutir quem deve pagar a conta, por que ninguém levanta uma questão simples, mas essencial: o que está nos deixando tão doentes e como reverter isso para recorrermos menos ao serviço de saúde? A resposta está na nossa cara, pelo menos três vezes por dia: nossa comida.

A má alimentação é a principal causa de mortalidade nos EUA; são mais de 500 mil óbitos por ano. Calcula-se que apenas dez fatores dietéticos sejam causadores de quase mil mortes por dia – e isso só de doenças cardíacas, AVC e diabetes. Esses males são absurdamente caros: os primeiros representam US$ 351 bilhões anuais para o sistema de saúde e perda de produtividade, enquanto o terceiro custa US$ 327 bilhões no mesmo período. Calcula-se que o ônus econômico total da obesidade seja de US$ 1,72 trilhão por ano, ou 9,3% do PIB.

Os avanços no setor da nutrição e na geração de políticas atuais oferecem uma saída para a crise nutricional nacional

Esses encargos humanos e econômicos são os principais impulsionadores dos gastos do sistema de saúde, cada vez mais altos, dos orçamentos oficiais apertados, da diminuição da competitividade das empresas norte-americanas e da redução do preparo militar.

Felizmente, os avanços no setor da nutrição e na geração de políticas atuais oferecem uma saída para a crise nutricional nacional. As soluções do Food Is Medicine (Comida É Remédio) só trazem vantagens, promovendo maior bem-estar, reduzindo as despesas com saúde, gerando maior sustentabilidade, diminuindo a disparidade entre os grupos populacionais, melhorando a competitividade econômica e gerando mais segurança em âmbito nacional.

Alguns melhoramentos simples, mas perceptíveis, podem ser feitos em diversas áreas, não só na saúde. Por exemplo, o Medicare, o Medicaid, as empresas privadas de seguro-saúde e os hospitais deveriam incluir a nutrição em todos os registros eletrônicos; as diretrizes de currículos, métodos de certificação e educação contínua deveriam ser atualizadas, dando mais ênfase à nutrição; programas de prescrição de produtos saudáveis para os pacientes deveriam ser estimulados; a elaboração individualizada e a entrega de refeições aos pacientes mais doentes deveria ser implantada. Só essa última medida pode representar uma economia líquida de US$ 9 mil em custos de seguro-saúde por paciente por ano.

Os impostos sobre bebidas açucaradas e junk food podem ser combinados com subsídios a alimentos "protetores", como frutas, nozes, legumes e verduras, leguminosas, óleos vegetais, grãos integrais, iogurte e peixe. Valorizá-los representa uma mensagem positiva importante para o público e para o setor alimentício que exalta e se beneficia da boa alimentação. Os níveis de aditivos nocivos como sódio, açúcar adicionado e gordura trans podem ser reduzidos com metas voluntárias da indústria ou padrões regulatórios de segurança.

Os padrões nutricionais nas escolas, que melhoraram a qualidade da merenda em 41%, devem ser reforçados; o Programa de Frutas e Legumes Frescos, estendido além do ensino fundamental, englobando também o ensino médio; as hortas escolares, idem. E o Programa de Assistência Nutricional Suplementar (Snap, na sigla em inglês), responsável pelo fornecimento de hortifrútis para quase 12% dos norte-americanos, merece reforço para ajudar a melhorar a qualidade da dieta e a saúde geral.

O setor privado também pode ter um papel essencial: mudanças nos critérios dos acionistas (tendo por exemplo as Empresas B, que visam equilibrar o lucro em relação a padrões sociais e ambientais elevados) e novas coalizões de investidores devem recompensar financeiramente as empresas pelo combate à obesidade, à diabetes e outras doenças relacionadas à má alimentação. As parcerias público-privadas devem enfatizar o setor de pesquisa e desenvolvimento para o aprimoramento das práticas agrícolas e de processamento alimentar. Todos os refeitórios e cantinas devem exigir opções de alimentos saudáveis nas negociações com os fornecedores, além de incluir incentivos pela alimentação saudável entre seus benefícios.

É vital também que haja uma liderança federal coordenada e verba para pesquisas, o que pode incluir, por exemplo, um novo Instituto Nacional de Nutrição no Instituto Nacional de Saúde. Sem uma medida desse tipo, poderemos demorar muitas décadas mais para compreender e utilizar novidades preciosas relacionadas ao processamento alimentar, à microbiota intestinal, às alergias e doenças autoimunes, câncer, saúde mental, tratamento de ferimentos de campo de batalha e os efeitos de adoçantes não nutritivos e da nutrição personalizada.

O papel do governo também é crucial. O impacto significativo do sistema alimentar no bem-estar, nos gastos com assistência médica, na economia e no meio ambiente, aliado à conscientização pública e da indústria sobre essas questões, cada vez maior, cria uma oportunidade ímpar para que os governantes defendam soluções reais.

Porém, com raras exceções, os atuais candidatos presidenciais não estão sendo questionados sobre esses temas nacionais essenciais. Todos os que estão na disputa deveriam ter uma plataforma alimentar e todo debate deveria explorar suas posições. Há muito, as discussões nas primárias presidenciais nos devem uma ênfase renovada nos problemas e na promessa da nutrição para melhorar a saúde da população e diminuir os custos da saúde; além disso, devem ter uma posição de destaque nas eleições gerais de 2020 e no próximo governo.

Dariush Mozaffarian é cardiologista e reitor da Escola de Nutrição, Ciências e Políticas Tufts Friedman. Dan Glickman foi secretário da Agricultura dos EUA de 1995 a 2001.

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