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O Brasil formaliza a Palestina como sujeito de direitos, mas também com responsabilidades perante a ordem internacional

O reconhecimento de novo Estado é em Direito Internacional ato discricionário de governos soberanos, a gerar consequências proporcionais ao peso específico dos atores envolvidos. O Brasil, já no ocaso da gestão de seu proativo presidente, acaba de reconhecer a Palestina como Estado pleno. Isso abrange reivindicações mais extensivas, a incluir os territórios ocupados por Israel e a emblemática Jerusalém, com seu muro de tantas lamentações.

A opção brasileira não vem isenta de elogios e de críticas. Não são opiniões neutras e versadas na razão, o que seria difícil esperar em face das iras ancestrais que pemeiam a temática do Oriente Médio. Longe de um espasmo de fim de governo, no entanto, a posição brasileira vem com os pés no chão e ancorada em bons argumentos. Possivelmente alheia às intrigas verde e amarelas de WikiLeaks, reflete decisão amadurecida e previsível, haja vista o que foi a política externa de Lula, consoante aos princípios constitucionais do país e a sua tradição diplomática. Como o Brasil não é polícia do mundo, resta que o ato soberano de reconhecer uma nação não gera obrigações a terceiros. Deveria merecer, por conseguinte, críticas menos radicais e incisivas, a tratar-se tão somente de uma opinião, de apenas um país, que exerce sua soberania de forma amplamente respaldada pelo Direito Internacional. No entanto, incide na repercussão do ato a persona que o Brasil tem passado a desempenhar no concerto das nações.

Examinados os argumentos do Itamaraty, fica cristalina a exortação à paz e ao entendimento, por mais utópico que isso possa parecer. Se conforme a proposta de Tel Aviv a solução da questão residiria na fórmula "dois povos, dois Estados", o suporte que a comunidade internacional deva fornecer à Palestina e a Ramallah, sua capital, é primordial. Não haverá negociação minimamente razoável entre partes brutalmente desiguais. E a Palestina, dilacerada pela ocupação de seu território, por seus dilemas fraticidas e por seu fanatismo religioso, jamais poderá negociar "dois Estados" em condições de igualdade. Não há dignidade na miséria.

No plano jurídico, a ação brasileira pouco traz de novo, pois a Palestina já era sujeito de direito, ou como Estado soberano para os que a reconheciam, ou como nação insurgente para os demais. Vale lembrar que como nação insurgente, a autoridade palestina foi reconhecida de forma tácita até pelos Estados Unidos e por Israel, a ponto de firmar tratados, como os Acordos de Camp David, ou de ter seu líder histórico Arafat a pronunciar-se no púlpito mor das Nações Unidas. No plano político, a posição brasileira de também condenar o terrorismo, o que é inaceitável para um Estado que deseja negociar com seus vizinhos, reflete atitude equilibrada e sem parcialidade. Assim como os demais Bric’s – Rússia, Índia e China –, o Brasil formaliza a Palestina como sujeito de direitos, mas também com responsabilidades perante a ordem internacional. E da mesma forma como os Bric’s conservam boas relações com Israel, espera-se que os laços entre Brasília e Tel Aviv permaneçam incólumes, densificados pelo recente tratado de livre comércio com o Mercosul.

Se o primeiro ministro islaelense Benjamin Netanyahu foi drástico ao comentar o ato brasileiro, resta a certeza de que governos passam e nações ficam, assim como a amizade que dedicamos ao povo israelense, desde a criação de seu Estado. Em 1948 era Israel, impactada pelo espectro do holocausto, a nação debilíssima a ser ajudada, em busca de território e de reconhecimento. Nessa ocasião, com o mesmo sentido de Justiça que agora utiliza para os palestinos, o Brasil apoiou firmemente a crição do Estado de Israel, sob os escombros da Europa e contra o poderio ameaçador do imperialismo soviético. Hoje, mais que o antológico discurso de Oswaldo Aranha proferido na ONU em favor de Israel, é a tradição diplomática e o protagonismo de conciliação que dá indenidade à posição brasileira. Não contra os judeus, ou para irritar a Casa Branca, mas a favor de uma nova chance à paz.

Jorge Fontoura, doutor em Direito Internacional, é professor titular do Instituto Rio Branco e presidente do Tribunal Permanente do Mercosul.

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