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O Brasil precisa do novo marco do saneamento
| Foto: Jonathan Campos / Gazeta do Povo

Em pleno 2019, o país ainda apresenta a estarrecedora taxa de quase 50% de brasileiros sem coleta de esgoto. Saúde, educação, trabalho e dignidade humana dependem de um acesso adequado a instalações de saneamento. A Comissão Especial criada para revisar o marco do saneamento (PL 3.261/2019) aprovou, em 30 de outubro, por 21 votos a 13, o parecer substitutivo apresentado pelo relator do projeto, deputado Geninho Zuliani. O projeto segue para votação no plenário da Câmara, retornando ao Senado para aprovação de sua redação atual.

A alteração ao marco legal vem sendo discutida há anos – duas medidas provisórias chegaram a ser publicadas em 2018, vindo a perder efeitos, sem conversão dentro do prazo legal. O novo marco trará mudanças importantes que devem incentivar os tão necessários novos investimentos no setor.

A adoção da regulação de referência proposta pela ANA será condição para o recebimento de fundos federais pelos municípios

A primeira delas é a uniformização da regulação. Hoje, a competência para regular os serviços de saneamento é de cada município, com autonomia para editar suas próprias normas e contratos, o que gera grande dificuldade e custo para administrar múltiplas normas, em diferentes níveis de qualidade técnica. O PL confere à Agência Nacional de Águas (ANA) a atribuição para criação de normas de referência para o setor, a serem adotadas pelos municípios. Com isso, a ANA poderá estipular parâmetros gerais para regulação tarifária e critérios de contabilidade regulatória, bem como para a padronização de contratos. A adoção da regulação de referência proposta pela ANA será condição para o recebimento de fundos federais pelos municípios. As regulações se tornam uniformes em decorrência dos incentivos para os municípios aderirem às normas de referência. A regulação uniforme diminui custos de análise de investimento e gera segurança jurídica para atração de recursos.

O projeto também prevê a regionalização. Há poucos exemplos de reunião de municípios em microrregiões e regiões metropolitanas para prestação de serviços de saneamento, mas o projeto confere aos estados a atribuição de criação das regiões metropolitanas, nas quais a adesão dos municípios é obrigatória, e estabelece incentivos para reunião em microrregiões e blocos de influência. A reunião de municípios gera ganhos de escala, diminui custos e cria possibilidade de subsídios cruzados na mesma região, possibilitando serviços sustentáveis em municípios deficitários (em que a tarifa cobrada dos usuários não é suficiente para remunerar os serviço) e inclusão de efeitos distributivos – tarifas diferenciadas por classes de consumidores, não por municípios –, evitando que o “pobre do município rico” pague mais que o “rico do município pobre” pelos serviços.

Outra melhoria é a vedação a novas contratações diretas de empresas estatais. Enquanto hoje a prestação dos serviços de saneamento na maior parte dos municípios é feita por empresas estaduais, contratadas diretamente, sem licitação e, em alguns casos, até mesmo sem formalização de contrato, o PL 3.261 determina que, após o término dos contratos atuais, deverá ser realizada a licitação do serviço, em que as empresas estaduais e privadas participarão em igualdade de condições, criando condições para competição no setor, novos entrantes e novos investimentos.

E não se pode esquecer das privatizações. Pela regulação atual, caso o controle da empresa estadual passe ao setor privado (por meio de processo de privatização), o contrato é extinto. Se o PL for aprovado, a empresa, após a privatização, mantém o contrato, que pode ser alterado anteriormente ao processo de privatização para adaptação ao novo regime de concessão, com anuência do município. Isso é positivo porque as empresas estatais, que devem seguir ritos e requisitos legais que as impedem de ter a mesma agilidade do privado, passam a ganhar celeridade e competitividade com a privatização. Além disso, muitos estados e empresas estaduais encontram-se em grave crise fiscal, e a privatização permite que ganhem fôlego para novos investimentos. O novo marco traz mudanças importantes que devem incentivar os tão necessários novos investimentos no setor de saneamento – não há como posicionar-se contra o projeto. Seguimos acompanhando o Congresso: esta é a hora do saneamento.

Karin Yamauti Hatanaka é sócia do Cescon Barrieu em Infraestrutura e Project Finance.

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