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O presidente Lula não é propriamente um ser político, é um ser eleitoral. Nas suas veias, em lugar de sangue, correm pesquisas, alianças, candidaturas, calendários. Se lhe perguntarem algo sobre o Corinthians, a réplica será pautada pelos seus interesses no pleito de domingo, um inocente "será que chove no fim de semana?" produzirá uma resposta conectada à construção das hidrelétricas do PAC.

O homem só pensa naquilo – urna. E as suas sucessivas e desencontradas manifestações a respeito da crise financeira pareceram ditadas por seus humores eleitorais. De início, levemente petulantes – "o problema não é meu, é do Bush" –, passaram a soar como jactância – "eles (os americanos) não fizeram o dever de casa, nós fizemos – e, quando a Câmara dos Representantes rejeitou o pacote de socorro, afinal percebeu a extensão do problema e impacientou-se com a demora.

Na última quinta-feira, já advertido de que a sua formidável popularidade não seria transferida automaticamente aos candidatos de sua predileção, permitiu-se sair do âmbito paroquial para admitir semelhanças da atual quebradeira com a de 1929.

Bem vindo à realidade, Excelência! A bolha imobiliária americana ganhou estas proporções planetárias porque os atuais ocupantes da Casa Branca não acreditam em regulamentação nem em agências reguladoras. Por razões diferentes, porém igualmente prepotentes, o Planalto também tem ojeriza às agências reguladoras que considera como estorvo aos seus desígnios imperiais.

O tal dever de casa que teríamos feito precisa ser esmiuçado: chamou-se Proer, foi adotado em 1995 para evitar uma corrida aos bancos e contrariou vontade do então presidente do PT, o hoje presidente da República, Lula da Silva.

Ao reclamar da lentidão do processo legislativo americano, o presidente cometeu na melhor das hipóteses o pecado da soberba e, na pior, o da ignorância. A proposta do Secretário do Tesouro foi acolhida pelo Congresso no fim da semana passada (27-28/9) e foi aprovado nesta sexta-feira, apenas oito dias depois. Isso na reta final de uma renhida disputa presidencial que inclui a renovação parcial do Congresso.

Quantas semanas deveríamos esperar até que o nosso mastodôntico Congresso se movimentasse diante de uma emergência destas proporções? Quantos legisladores da Botucúndia largariam a disputa pela renovação de seus mandatos para votar uma medida de interesse nacional embora impopular? E quem controla o nosso Congresso, governo ou oposição?

O presidente acertou ao abandonar o ar blasé, entediado, porém foi insuficiente ao entrever semelhanças entre 1929 e 2008. As duas catástrofes foram causadas por circunstâncias tecnicamente diferentes, as semelhanças podem ser assinaladas em suas gigantescas proporções e, sobretudo, em suas trágicas conseqüências políticas.

O crash de 1929 abriu caminho para os fascismos europeus, este é um dado crucial que o presidente não deveria perder de vista. Embora o fascismo italiano seja anterior (1922) e a ultra-direita alemã começasse a assassinar seus desafetos pouco antes, foi a crise econômica internacional deslanchada a partir do crash a responsável pela orquestração dos movimentos reivindicatórios de massa através da violência.

Ao contrário do comunismo, o fascismo não morreu. Está aí, vivo, audacioso, disseminado, diversificado e reforçado por combinações transgênicas. Diferenciados exteriormente por maneirismos (e vestuário) de seus líderes, mas visceralmente avessos aos fundamentos democráticos essenciais. Respeitam formalidades republicanas, calendários eleitorais e menosprezam abertamente os valores humanos produzidos pelo Estado de Direito.

A drástica interrupção do ciclo de crescimento num mundo tão interligado e interdependente corre o risco de produzir uma versão agigantada e igualmente letal do mix nacional-socialismo/fascismo social dos anos 30 do século passado. Eleições são processos naturalmente empolgantes, mas conviria que não fossem dissociados do dramático cenário ao fundo.

Alberto Dines é jornalista.

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