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A produção legislativa em matéria de Direito processual tem sido intensa nos últimos anos. O que se busca é a adequação das leis de processo às exigências sociais de celeridade, economia e segurança jurídica, sem descurar da garantia do devido processo legal e do direito à tutela jurisdicional efetiva.

É nesse contexto que surgiu o Projeto de Lei Complementar 125, que aguarda sanção presidencial. O projeto regulamenta o procedimento do mandado de segurança, até hoje regido por lei anterior à Constituição de 1988. Apesar da intenção modernizadora na qual a nova lei foi concebida, a verdade é que ela traz consigo disposições que vão na contramão da adequação do processo à ordem constitucional. Pode representar, inclusive, verdadeiro retrocesso na tutela de direitos.

Dentre as disposições que compõem o projeto, destaca-se, de forma negativa, a faculdade conferida ao juiz de condicionar a concessão de liminar à prestação de caução pelo impetrante (art. 7.º, III1). A inconstitucionalidade do dispositivo salta aos olhos, pois expõe violação ao princípio da igualdade sob duas perspectivas.

Primeiramente, cria-se uma desigualdade de procedimento, na medida em que alavanca o Estado a uma posição jurídico-processual por demais privilegiada quando comparada à do particular. Isso porque somente nas demandas contra o Estado poderá o juiz, de acordo com critérios não expressos na lei, condicionar a concessão de liminar a um novo elemen­­to, inexigível nas relações entre entes privados. Ao lado do perigo da demora e da plausibilidade do direito alegado, figuraria como requisito a segurança econômica do impetrante, esse último dissonante com um Poder Judiciário Republicano.

Em segundo lugar, inaugura-se uma cisão entre os particulares: apenas aqueles que possuem condições econômicas de suportar a exigência de caução poderão obter provimento de urgência. Aos demais, restaria aguardar to­­da a tramitação do processo. Como se sabe, es­­ta espera pode significar o prolongamento in­­devido de uma situação ilícita, ou até mesmo o perecimento do direito perseguido em juízo. O ônus da demora recairia, assim, justamente sobre os ombros da parcela da população que não tem condições de suportá-lo.

Vale notar, também, que dificultar a efetividade da tutela de urgência (ou mesmo torná-la inatingível) significa, em última análise, ofensa direta à garantia fundamental de inafastabilidade do Poder Judiciário, a qual pressupõe não só o acesso à justiça, mas também a disponibilização dos meios indispensáveis para a proteção dos direitos.

Além da incompatibilidade com a Cons­­tituição, o projeto apresenta uma contradição interna. Ao mesmo tempo em que propõe um procedimento que dispensa o pagamento de custas para a sua utilização, seu principal trun­­fo (a liminar) pode ser condicionado à ga­­rantia em juízo de um valor fixado pelo magistrado. Impor um preço para a concessão de li­­minar restringe a amplitude de acesso à tutela jurisdicional que a isenção de custas iniciais visa proporcionar.

O que se observa, assim, é que a Lei do Man­­dado de Segurança, caso sancionada integralmente, nascerá inconstitucional por ferir exatamente aqueles valores que justificam as re­­formas processuais, retirando o procedimento do mandado de segurança do ambiente que proporciona a tutela jurisdicional efetiva.

Lucas Cavalcanti da Silva, especialista em Direito Constitucional, Thiago Mourão de Araújo e William Soares Pugliese são advogados do escritório Marinoni Advocacia.

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