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Em entrevista concedida como ministro do Planejamento, em 1965, Roberto Campos afirmava que preferia pensar, ingenuamente, como o presidente Kennedy, que "política é a arte de aplicar pacientemente a razão ao controle da emoção das massas". Conforme ele mesmo reconhecia, nada mais ingênuo. Se há algo que a política nos rouba é o senso de razão, sobretudo em períodos eleitorais. Aqui no Brasil, a coisa tem sido invertida e, pelo nosso histórico, a política é muito mais a arte de aplicar sorrateiramente a emoção ao controle e supressão da razão das massas. Quanto menor for o senso de razão revelado pela massa, melhor para as artimanhas da política e dos políticos, principalmente no transcurso de disputas eleitorais.

Estamos curtindo os últimos suspiros da Copa do Mundo, evento que tem o condão de eclipsar a disposição para o debate dos problemas nacionais. Neste momento, nada mais chato do que se debruçar sobre o texto de algum economista metido à escriba ou prestar atenção na conversa de algum político ávido por nosso voto. Mas, entre um jogo e outro (alguns muito chatos), ouvi o programa eleitoral de um partido, no qual um tonitruante chefe político dizia que todos aqueles que afirmam existir déficit na Previdência Social são safados e sem-vergonhas, além de outros impropérios. Ele falava com a voz elevada e o tom messiânico de quem pretende ser visto como defensor dos pobres e dos desvalidos contra os hereges e mentirosos, que apenas "defendem os banqueiros e os planos de previdência privada".

Não me lembro de quem disse que "na política, assim como na guerra, a verdade é sempre a primeira a morrer", mas a frase se encaixa como uma luva no besteirol eleitoral das campanhas políticas. Por coincidência, eu ouvi o programa eleitoral no momento em que estava lendo o belo livro Demografia – A Ameaça Invisível, escrito por Fabio Giambagi e Paulo Tafner. São dois intelectuais sérios e de alto nível, preocupados com o futuro e com o bem-estar da população, e não pertencem a nenhuma ala da direita. Segundo a linguagem do tal político (cujo nome prefiro omitir, mas quem ouviu o programa na semana passada vai se lembrar), Giambagi e Tafner são dois safados a serviço da mentira e da enganação.

Antônio Palocci, que é do PT, disse o seguinte: "Giambagi e Tafner tratam de um tema-chave para o futuro de nosso desenvolvimento econômico e social. O financiamento da Previdência Social é um desafio enorme em todos os países. Em nosso caso, a elevada participação dos benefícios como proporção do PIB e o desequilíbrio financeiro exigem um debate de toda a sociedade..." Delfim Netto, que, apesar de ter sido o mandachuva da área econômica no governo militar, tornou-se amigo e assessor de Lula, afirmou: "Este é um livro fundamental. Cuida do futuro expondo o mais grave problema do Brasil. Os autores têm seriedade e coragem para enfrentar a questão da Previdência com isenção e sólidos argumentos. A covarde miopia dos governos tem adiado o seu enfrentamento, porque supõe que isso desagrada aos eleitores. Infelizmente, são estes que irão pagar essa desídia oportunista".

Ninguém é obrigado a concordar sobre nada. Porém, o mínimo que se espera de políticos, de analistas e de homens públicos é que não mintam para a população e que apresentem seus argumentos apoiados em premissas e evidências, além de respeito aos contrários. A técnica de gritar, acusar e xingar pode ser boa para amealhar votos, mas não é receita de salvação da pátria e muito menos fórmula de solução dos problemas. Sei que é pedir muito aos políticos, sobretudo em tempos de eleição. Entre­­tan­­to, quem não está atrás de votos e conhece o tamanho do problema tem o dever de se manifestar. Como o assunto é longo e complexo, ninguém pode se dizer preparado para debatê-lo sem conhecer as 200 páginas de números, informações e esclarecimentos sobre o problema previdenciário e demográfico brasileiro.

Quem sabe algum político de melhor nível resolva encarar a verdade e deixar a demagogia um pouco de lado, passando a estudar o assunto e a discutir com base na realidade e fundado na razão. Os despreparados e os demagogos certamente continuarão sua saga em busca de votos, sempre gritando, acusando, contribuindo para o alastramento da ignorância e para o despejo da razão, esta que é um inquilino precário na mente dos poderosos.

José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo

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