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O dia dos namorados, a pandemia, o presente e o futuro do turismo
| Foto: Albari Rosa/Arquivo/Gazeta do Povo

Os tempos atuais têm nos ensinado muita coisa. A pandemia transformou completamente o comportamento de compra e consumo das pessoas. Ao mesmo tempo que afetou negativamente algumas indústrias, desenvolveu rapidamente outras, como a própria tecnologia, a construção civil e a indústria de móveis. As pessoas passaram a ficar mais tempo em casa e o conforto do lar nunca foi tão importante. Lives e videoconferências se tornaram o novo normal. A indústria de viagens, por outro lado, sofreu e continua sofrendo com o distanciamento social e com a pandemia, por questões óbvias. Mas a transformação também trouxe novos modelos de negócios, despertados pela nova condição que as pessoas vivem.

O dia dos namorados e algumas outras situações estão sendo muito representativos do efeito da pandemia no turismo. O dia dos namorados foi um sucesso na hotelaria. O inesperado aconteceu. Os hoteleiros experimentaram a deliciosa e desafiadora experiência de ver os seus hotéis quase cheios novamente. Digo “deliciosa” pois há mais de um ano não é possível lotar todos os quartos dos hotéis, e na data alcançamos a ocupação máxima permitida pelas bandeiras municipais e estaduais. Digo “desafiadora” pois os quadros de funcionários estão reduzidos – pelas demissões que aconteceram no último ano, pelas reduções de jornada, suspensões de funcionários e outras manobras jurídicas instituídas pelas medidas provisórias publicadas pelo governo para ajudar o setor a se manter durante a crise.

O efeito das restrições em determinadas praças funcionou a favor dos hotéis e seus respectivos restaurantes. Em algumas cidades, os bares e restaurantes estavam limitados a atender um número reduzido de clientes. Em outras, havia toque de recolher e a venda de bebidas alcoólicas foi proibida por determinadas horas. Tudo isso, combinado com os rigorosos protocolos de higiene e saúde implantados, fez dos hotéis o destino perfeito dos casais apaixonados na noite do dia dos namorados.

Em outros países, tudo indica que o começo do fim da pandemia está chegando. Os resultados da vacinação em massa nos Estados Unidos já são evidentes. Multidões lotam os ginásios de basquete para ver as finais da NBA. Do lado de fora, outra multidão acompanha os jogos pelos telões. Sem máscara. Dentro e fora do estádio. Se a vacina não fosse eficaz, o sistema de saúde do país já teria colapsado, dada a capacidade de transmissão do vírus e a dimensão das aglomerações.

Estamos cansados dos termos “novo normal” ou “videoconferência”. Ainda que os dados da vacinação sejam animadores, uma outra corrente defende que a tão esperada imunidade de rebanho talvez nunca aconteça. De acordo com reportagem do New York Times publicada há algumas semanas, existe um número considerável de norte-americanos que não pretende tomar a vacina, o que dificultaria chegar aos 70% ou 80% da população vacinada nos Estados Unidos. Além disso, a mutação do vírus ainda é mais rápida que a capacidade que os laboratórios têm de se atualizar para combatê-los. Enquanto isso, os protocolos de saúde e segurança continuarão entre nós, para o bem de todos. O fim da pandemia certamente está mais próximo agora, mas talvez um pouco mais longe do que possa parecer.

Pode parecer antagônico dizer que a população norte-americana já voltou ao normal e, ao mesmo tempo, dizer que a imunidade de rebanho talvez nunca aconteça. Mas são os fatos atuais que estamos acompanhando. Quase enlouquecedor. Algo que nunca vivemos antes. O melhor a se fazer é continuar se protegendo, seguindo os protocolos que nos trouxeram até aqui.

Para aqueles que estão esgotados e cansados da nova rotina, existe um termo muito interessante no mundo das artes marciais, que é bem relevante para estes tempos e pode ajudar aqueles que estão no seu limite: “OSS”, termo criado pela Escola Naval Japonesa e que ainda é usado para expressões do dia a dia, como “sim, senhor”, “por favor”, “obrigado”, “entendi” e “me desculpe”. Muito usada em diversas artes marciais como no judô, no caratê e no jiu-jitsu, a expressão é, na verdade, a combinação de dois caracteres japoneses: 押 e 忍. O primeiro, “Osu”, significa “pressionar”; o segundo, “Shinobu”, significa “suportar”. De um modo geral, o termo pode ser interpretado como “perseverar sob pressão”. Na arte marcial, isso pode ser traduzido como nunca desistir do seu objetivo, ser capaz de suportar a pressão dos treinos e dos oponentes, além de atingir o seu limite e perseverar, apesar de todas as dificuldades que possam surgir. Uma expressão muito relevante e atual, que certamente serve de incentivo para suportar a pressão do efeito da pandemia. Perseverar e lutar para o retorno da vida e, claro, do turismo.

Essa perseverança foi essencial para a indústria de viagens e a hotelaria. A pandemia trouxe crise e dificuldade, mas também trouxe aprendizado, adaptabilidade, agilidade e novidades significativas. De repente, as fronteiras foram fechadas e os turistas desapareceram. Os hoteleiros viram as ocupações dos hotéis despencarem. As empresas pararam de enviar seus profissionais para o campo e o turismo de negócios também parou.

Ao mesmo tempo, com as crianças estudando remotamente, o conceito de mobilidade das famílias mudou completamente. A pandemia trouxe esta nova modalidade de viagem. As pessoas passaram a viajar sem tirar férias, o que era impensável antes disso tudo. O antigo conceito “bleisure” encorpou e tomou mais forma, se transformando nos conceitos “staycation”, “workation”, além do “room-office”, que é o quarto de hotel adaptado para ser um escritório, permitindo que profissionais possam ter um espaço adequado para um dia de negócios. Este novo hóspede a negócios leva sua família junto, utiliza mais serviços e instalações dos hotéis e tem novos conceitos de avaliação dos serviços. Têm um perfil completamente diferente dos executivos que antes enchiam os hotéis, mas que saíam pela manhã e retornavam tarde da noite, apenas para dormir, tomar banho e sair cedo no dia seguinte novamente. Comportamentos de demanda que antes pareciam, no mínimo, improváveis tornaram-se uma rotina nos tempos de pandemia.

Como disse um colega, “se fosse um tsunami, o coronavírus teria pego o turismo na praia”, refletindo o tamanho do efeito em uma indústria que não é estranha a mudanças. Setembro de 2001 foi desafiador. O vulcão na Islândia, em 2010, também. Mas a maior transformação da indústria de viagens não aconteceu diante de um desastre natural ou de uma pandemia. A revolução na forma de comprar viagens aconteceu com o advento da tecnologia e com a chegada da internet no fim da década de 90. Ela impôs grandes transformações nos últimos 20 ou 25 anos, tanto para viajantes quanto para os empresários do setor. Ferramentas de gerenciamento de reservas, pagamento on-line, startups, agências de viagem on-line, plataformas tecnológicas e uma série de outras inovações tornaram possível vender um produto na internet sem nem sequer precisar de um website, o que seria impensável anos atrás.

Difícil, hoje, imaginar o turismo e a hotelaria sem a tecnologia. Não apenas no processo de compra e consumo, mas também na experiência do hóspede, agora totalmente vinculada à tecnologia. Alguém consegue imaginar um hotel sem rede wi-fi? Ou sem reservas on-line? Eu não. Quem ganha com tudo isso somos nós, consumidores; na ponta dos dedos, agora conseguimos viajar virtualmente para nosso destino de preferência, explorar e até mesmo vivenciar experiências.

Esperamos poder comemorar o ano-novo em uma praia, sem máscara, de branco, com a garrafa de champagne na mão, pulando sete ondinhas na praia, de mãos dadas com a família. Viva a tecnologia! Viva o turismo! Viva a vacina!

Leandro O. de Carvalho, graduado em Turismo, pós-Graduado em Marketing, com especializações em Desenvolvimento de Negócios nos Estados Unidos e na Europa, é vice-presidente de Marketing e Vendas da rede de hotéis Deville e professor de diversas disciplinas de Turismo e Hotelaria no Senac e na Unip.

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