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Vive-se, hoje, em uma sociedade cada vez mais líquida, onde ideias, certezas, crenças, relações e a própria realidade são fluidas, ou seja, se adaptam conforme a necessidade. Isso se deve à incessante evolução tecnológica e, quando se fala em direito do futuro, se fala em tecnologia. Tecnologia visualizada não apenas como robôs, computadores e sequências numéricas verdes sobressalentes à tela; mas também a partir da reinvenção tecnológica das interações sócias (humanas e robóticas) causada pela própria tecnologia. Não há dúvidas de que somos modificados pela tecnologia ao mesmo tempo em que a modificamos.

A forma com a qual nos relacionávamos com a comida foi modificada pela manipulação genética de sementes básicas (soja e milho) e, somente em 2014, o Brasil produziu 40,3 milhões de hectares de transgênicos. A geoengenharia é a aposta de inúmeros investidores e países para o combate às mudanças climáticas. A estimulação cerebral profunda (DBS, em inglês) já é um tratamento amplamente aceito para transtornos neurológicos, onde eletrodos instalados no cérebro estimulam áreas deficitárias. O “conhecimento” deixou a forma tradicional-editorial e passou a ser transmitido em redes colaborativas na internet (vide Wikipedia). Isso tudo é simbiose entre tecnologia e raça humana, abrindo o caminho para a singularidade tecnológica, quando não será mais possível distinguir inteligência humana e artificial.

O alcance tecnológico desses robôs avança diariamente sem que haja qualquer resposta legislativa e normativa

Com esse contexto, deve-se preocupar, com urgência, o Direito. Afinal, sendo uma de suas funções dar corpo jurídico aos anseios e direitos básicos sociais, é certo que o Direito deve dar uma resposta à ausência de normatização das novas tecnologias, das patentes tecnológicas e do poder daqueles que detêm as tecnologias de usos sociais. No Brasil, pouco é discuto acerca da aplicação do Direito no futuro; futuro, esse, que já caminha a passos largos. O Direito do futuro deverá ser moldado com um viés evolutivo, a fim de prever, balizar e, inclusive, punir condutas derivadas do uso da tecnologia em um estado ainda mais avançado do que vemos hoje.

A inteligência artificial em um estado avançado de interação é uma realidade que se aproxima cada vez mais e empresas como Google, Microsoft e Facebook investem suas forças no desenvolvimento de produtos alimentados pela inteligência artificial. No aspecto jurídico, o problema consiste no fato de que o Direito tem, em seu alicerce, o comportamento humano e parte da premissa de que todos os componentes humanos do meio social possuem valores morais e regras de comportamento, por isso que o conceito jurídico de “culpa” é a quebra do dever de cuidado, ou seja, a adoção de um comportamento diferente do comportamento moral e socialmente aceito. Contudo, as redes neurais de inteligência artificial ainda não possuem tais conceitos empregados em si. Imaginemos uma situação na qual um veículo automotor, dotado de inteligência artificial e que se locomove por si próprio, sem interação humana, se depara com uma situação na qual deve decidir entre atropelar uma pessoa ou bater em outro veículo. A decisão tomada pelo veículo, nos moldes do Direito atual, não poderia ter valoração jurídica.

Atualmente, máquinas (robôs) são entes sem personalidade jurídica e, por isso, não podem sofrer sanções. Por outro lado, o alcance tecnológico desses robôs avança diariamente sem que haja qualquer resposta legislativa/normativa. Enquanto, no Brasil, ainda somos adolescentes rebeldes buscando regulamentar o vasto campo da Internet, o robô japonês “pepper” é capaz de compreender 80% de uma conversa humana, interpretar sentimentos humanos em seus interlocutores, compartilhar experiências e aprender sozinho. Então, o quanto estamos distantes de “pepper”? O Direito do Futuro deve se preocupar com “pepper”, conosco e com as relações sociais simbióticas entre humanos e tecnologias.

Márcio Nicolau Dumas, advogado, mestre em Ciência, Gestão e Tecnologia pela UFPR e ex-presidente da Comissão de Direito e Tecnologia da Informação da OAB/PR.
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