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| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

É chegado aquele momento no ano em que reavaliamos tudo que vivemos até ali, fazemos uma retrospectiva dos nossos erros e acertos, e prometemos muitas mudanças para o ano seguinte – quase todas deixadas de lado logo no começo. É tempo de esperança, porém. De buscar uma luz para crer que dias melhores virão.

Não sei como foi 2018 para o leitor. Meu ano, se teve conquistas profissionais boas, não foi nada bom no quesito pessoal. Por uma questão de elegância, não vou entrar em detalhes. Mas basta dizer que enfrentei um divórcio complicado, mergulhado em problemas um tanto peculiares e desgastantes. Eu, que sempre valorizei a estabilidade e a previsibilidade, traços obsessivos de quem busca controle demais sobre o destino, tive de me deparar com o chão que se abriu sob meus pés.

Nesses momentos difíceis, a família, um senso de propósito na vida e uma fé espiritual talvez sejam os melhores pilares que nos sustentam da queda. Mas há algo interessante também, que serve ao menos para evitarmos a vitimização, tão em moda na era moderna e, não obstante, sempre patética: entrar em contato com desgraças maiores que a nossa.

Os alemães têm uma palavra exclusiva para isso: Schadenfreude, criada para designar o sentimento de alegria ou satisfação perante o dano ou infortúnio de um terceiro. No sentido pejorativo, pode ser o velho e conhecido “espírito de porco”. Mas creio que exista um significado mais nobre para ela, aquilo que Schopenhauer, filósofo alemão, resumiu assim: “De vez em quando é até mesmo bom trazer ao presente grandes desgraças que eventualmente poderiam nos sobrevir, a fim de suportarmos facilmente as pequenas quando de fato chegarem”.

Sem esperança resta apenas o niilismo, o vazio, o desespero. E a vida, com todos os seus problemas, vale a pena ser vivida

Tudo é relativo, dizem, e temos direito aos nossos sofrimentos particulares. Se o fato de que alguém, em algum lugar do mundo, está sofrendo mais que nós anulasse nosso direito legítimo à dor, então ninguém mais, à exceção do mais miserável dos seres, poderia curtir uma fossa em paz. Cada um com seus problemas.

Dito isso, entrar em contato com pessoas que, de fato, passaram por situações bem piores pode servir para colocar nosso sofrimento em perspectiva, atenuando a dor e impedindo o vitimismo excessivo. Foi o que fiz ao decidir ler Nada é impossível, a biografia de Christopher Reeve. Sair de Superman para tetraplégico, por causa de um acidente bobo a cavalo, pode não ser a pior coisa do planeta, mas está sem dúvida no topo do ranking de problemas.

E eis o bonito do relato: o ator não apela para o sensacionalismo, não fica bancando a vítima ou pedindo comiseração constante dos demais. Ao contrário: ele tenta dar sentido ao que aconteceu com sua vida, compreender a tragédia e como ela mudou tudo, e buscar forças para seguir adiante. A família – sempre ela – foi um dos principais pilares de sustentação de Reeve, assim como a fé na ciência para encontrar uma cura que lhe permitisse voltar a andar.

Ele também encontrou no humor uma doce fuga da realidade trágica, e muitas vezes fazia piadas de sua própria situação para aliviar a tensão. Mas óbvio que flertou com a opção do suicídio, e seria insensibilidade achar isso absurdo. Muitos diziam que ele tinha muita sorte de estar vivo, mas ele não estava tão certo disso. Foi o amor de sua família e de amigos próximos que deu forças para ele insistir, vencendo o desejo de colocar um fim em tudo aquilo de uma vez.

Leia também: Eu pedi para o universo (artigo de Fernando Botto Lamoglia, publicado em 28 de dezembro de 2018)

Nossas convicções: O valor da família

Escolhido o caminho da sobrevivência, não havia mais volta, e o primeiro passo era aceitar sua nova realidade. Reeve confessa que guardou muita raiva dentro dele, o que parece inevitável nesse caso, mas que fez de tudo para vencê-la. Dois anos depois do acidente, ele admitia que estava feliz por permanecer vivo, não por uma obrigação qualquer com os outros, mas sim porque a vida vale a pena, apesar de tudo.

Naturalmente, esse sentimento tinha altos e baixos. Os extremos emocionais de quem passa por uma catástrofe dessas, segundo ele, são o desespero suicida e o apetite pela vida. Mas no meio há uma área cinzenta de resignação passiva, dormência. Não chega a ser um estado de depressão, mas você tampouco se sente excitado com qualquer coisa. E o perigo é que essa zona cinzenta pode se tornar confortável e, após um longo período nela, há o risco de se voltar à estaca zero, do desespero com a falta de sentido.

E Reeve encontrou algum sentido em sua luta pelo avanço da ciência. Ele passou a fazer palestras e discursos no Congresso para conseguir liberar pesquisas com embriões. Aceitou ser cobaia de experimentos que, de fato, mostraram algum resultado, ainda que tímido. Tudo isso, porém, foi fundamental para alimentar sua esperança no futuro. Mas eis o ponto principal: a esperança deve estar calcada na realidade.

A família – sempre ela – foi um dos principais pilares de sustentação de Reeve

Samuel Johnson é citado pelo autor: “A esperança é em si uma espécie de felicidade e, talvez, a principal felicidade que este mundo oferece; mas, como todos os outros prazeres imoderados, os excessos de esperança devem ser expiados pela dor; e as expectativas indevidas devem terminar em desapontamento”. Na caixa de Pandora, o último item das desgraças que os deuses mandaram era justamente a esperança. Talvez por ser a última que morre; talvez porque só se agarrar a ela, sem qualquer embasamento, pode ser uma forma de castigo em si.

“Eu sempre supus que a esperança se baseava no avanço do conhecimento científico e no financiamento para realizar seu potencial”, diz Reeve. E ele termina seu relato com um texto que escreveu quando, junto a um grupo de navegantes, ficou à deriva no mar. O farol em terra firme foi o que os salvou. Assim deve ser a nossa esperança: construída sobre fundações sólidas, o que a torna diferente de puro otimismo ou wishful thinking. Quando vislumbramos esse farol, devemos nos agarrar a ele com determinação.

Reeve conta que, assim, “descobrimos poderes dentro de nós mesmos que talvez nunca tenhamos conhecido – o poder de fazer sacrifícios, perseverar, curar e amar. Uma vez que escolhemos a esperança, tudo é possível. Estamos todos juntos neste mar. Mas o farol está sempre lá, pronto para nos mostrar o caminho de casa”.

E para o leitor, qual o seu farol? O que lhe faz acordar todos os dias disposto a seguir em frente, apesar dos pesares da vida? O importante, creio, é encontrar esse farol. Afinal, sem esperança resta apenas o niilismo, o vazio, o desespero. E a vida, com todos os seus problemas, vale a pena ser vivida. Um feliz 2019!

Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.
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