| Foto: Felipe Lima
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A PEC 56/2019 pretende, em síntese, prorrogar pelo prazo de dois anos os mandatos dos atuais prefeitos e vereadores eleitos, estendendo-os até o fim de 2022, ou seja, o mesmo ano em que terminam os mandatos dos governadores, senadores, deputados federais e estaduais, bem como o de presidente, todos eleitos em 2018, com intuito de unificar as eleições no país. A proposta, de autoria do deputado federal Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC), pretende-se alinhada com o interesse público e supostamente apresenta diversas vantagens, em especial a economia dos recursos públicos gastos nas eleições.

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Entretanto, tal PEC se mostra claramente inconstitucional, eis que interfere na própria ideia de sufrágio universal, previsto no artigo 14 da Constituição Federal de 1988, que dispõe: “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos”.

Ressalte-se, o sufrágio que escolheu os prefeitos e vereadores no Brasil nas últimas eleições o fez por apenas quatro e não seis anos. Sendo assim, não pode haver prorrogação de mandato em andamento, pois seria o mesmo que dar o “drible da vaca” no processo democrático: desvirtuar a escolha feita pela população.

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Para solucionar o descompasso entre os mandatos de prefeitos e vereadores com os demais atores políticos do país, unificando as eleições, seria possível a edição de emenda constitucional criando mandato com prazo menor, isto é, para o período de 2020 até 2022. Criaria-se, assim, um mandato de transição sem desrespeitar o sufrágio de 2016,  realizado para período determinado. Qualquer decisão parlamentar que pretenda alongar mandatos em andamento será arbitrária e inconstitucional.

Para agravar o debate, atualmente, no contexto da pandemia que vivemos, surgiu o argumento de que é necessário prorrogar os mandatos dos prefeitos e vereadores no Brasil para que, não havendo eleições, seja possível utilizar o dinheiro do fundo eleitoral para aplicá-lo no combate ao Covid-19. Contudo, o argumento é falacioso e não resiste ao mínimo esforço de lógica pois, independentemente da realização das eleições em 2020, é possível aprovar no Congresso Nacional a destinação total ou parcial do fundo eleitoral para o combate ao coronavírus, o que por certo não interfere na prorrogação de mandatos pretendida pela malfadada PEC 56/2019.

O argumento de utilização do fundo eleitoral para ajudar no combate à pandemia não pode servir, e soa como argumento oportunista, como elemento para legitimar um efetivo golpe de Estado. Prorrogar qualquer mandato eletivo de prefeitos e vereadores que não foram eleitos para tanto caracterizaria ofensa ao comando constitucional da duração dos mandatos por prazo determinado, uma das regras de ouro do jogo democrático.

A PEC 56/2019 viola dispositivos constitucionais, em especial a soberania popular exercida pelo voto para mandatos com prazos determinados. Por fim, cabe registrar que os fundamentos contrários à PEC não são apenas argumentos retóricos ou um jogo de palavras, mas sim limites para a garantia da própria ordem democrática que não podem sucumbir a impulsos aparentemente republicanos. Ainda é relevante lembrar que em todas as rupturas democráticas as regras do jogo sucumbiram diante de valores escolhidos ao prazer dos Donos do Poder. É uma questão de escolha.

Flávio Pansieri, advogado e pós-doutor em Direito, é professor adjunto da PUCPR, fundador da Academia Brasileira de Direito Constitucional, diretor da Escola Judiciária do TSE e conselheiro federal da OAB.

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