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Os dados do IBGE mostram que o idoso é a parcela da população brasileira que mais cresce porcentualmente, principalmente no caso dos denominados grandes idosos (acima dos 80 anos). Nos países desenvolvidos, são considerados idosos aqueles com mais de 65 anos e nos países em desenvolvimento, como o Brasil, são as pessoas acima dos 60 anos. Essa parcela da população possui notável diferença em sua saúde e reserva funcional. A idade cronológica muitas vezes não tem correlação com a idade fisiológica. Aquela é relativa ao tempo de vida que uma pessoa tem, esta é correlacionada ao envelhecimento das células do organismo e diretamente ligada aos hábitos e qualidade de vida.

O câncer é uma doença intimamente relacionada com a idade, visto que metade das neoplasias ocorrem em pacientes acima dos 70 anos e este grupo apresenta alta mortalidade. Muitos serão candidatos a tratamento quimioterápico em caráter adjuvante (após a cirurgia), curativo ou paliativo (sem possibilidade de cura, mas com aumento do tempo de vida).

O tratamento oncológico deve levar em consideração a expectativa de vida, reserva funcional, suporte social e as preferências pessoais de cada indivíduo. O grande desafio é avaliar objetivamente o risco de complicação pelo tratamento. Uma das formas de se fazer isto é através da Avaliação Geriátrica Ampla (AGA), e que pode ser utilizada para estimar a expectativa de vida e tolerância ao tratamento; detectar condições reversíveis, como neutropenia e anemia; além de providenciar uma linguagem comum para descrever a idade fisiológica dos pacientes.

A AGA abrange diversos aspectos do envelhecimento, levando a um plano de tratamento sob medida para cada paciente: reduzindo quedas, melhorando capacidade funcional, diminuindo admissões e o tempo de internação e prevenindo síndromes geriátricas. Mesmo os indivíduos mais vulneráveis podem se beneficiar de regimes de tratamento modificados para diminuir a toxicidade. Em alguns casos, identifica condições não médicas que podem ser ajustadas para tornar o tratamento mais seguro e conveniente. Algumas condições comuns no idoso com câncer devem ser atenuadas ou revertidas antes do tratamento, como má nutrição, anemia, neutropenia e depressão. Doenças preexistentes como diabetes, hipertensão e enfisema podem melhorar após intervenção médica ou necessitar ajuste de dose na quimioterapia. É preciso avaliar sempre o suporte social, que pode influenciar no tratamento, como transporte e/ou cuidador.

A Rede Nacional de Câncer dos EUA recomenda que os idosos com mais de 70 anos devem ter alguma forma de avaliação. Após análise adequada, mesmo condições relevantes insuspeitas podem ser detectadas em mais de 50% dos pacientes. Existe evidência clara de que a AGA melhora a funcionalidade e a qualidade de vida e promove a independência em idosos, mas seus efeitos na sobrevida ainda não estão definidos.

Uma das formas de se avaliar fisicamente o paciente é através do timed get-up-and-go e handgrip. Esses testes podem indicar deficiência e dependência funcional. O timed get-up-and-go consiste em levantar-se de uma cadeira, sem a ajuda dos braços, andar uma distância de três metros, dar a volta e retornar. Alguns estudos mostram que pacientes com tomadas de tempo superior a 14 segundos apresentam alto risco de sofrer quedas. Pacientes considerados frágeis podem ter sua reserva funcional esgotada e a quimioterapia pode levar a complicações grave e às vezes até letais. A fragilidade é uma condição que reduz criticamente a reserva funcional da pessoa, levando a susceptibilidade individual para até o menor dos estresses funcionais, e que pode incluir a quimioterapia.

Os idosos diferem nas atividades de vida diária, que podem ser divididas em: atividades básicas (comer, vestir-se, continência, tomar banho, higiene pessoal e transferência de lugares) e atividades instrumentais (capacidade de usar o telefone, compras, preparo das refeições, tarefas domésticas, lavagem de roupa, uso de meios de transporte, responsabilidade com sua medicação e gestão de seus assuntos econômicos). Lembremos também que o déficit cognitivo (alterações na maneira como o indivíduo processa uma informação) moderado a grave ocorre em torno de 10% dos idosos acima de 70 anos nos EUA, e pode ser uma barreira importante ao tratamento.

Existem algumas formas de se predizer a mortalidade em idosos. A perda de uma ou mais das atividades básicas de vida diária pode se relacionar com a mortalidade em quatro anos. O número de comorbidades tem correlação independente da idade do paciente e seu estadiamento da neoplasia. A demência também é um preditor de mortalidade e pode estar associada ou não com a perda funcional. Depressão persistente é outro fator de risco, principalmente quando o próprio paciente descreve a sua saúde como ruim ou péssima.

No idoso, os efeitos tóxicos da quimioterapia são mais pronunciados, como neutropenia, anemia, mucosite, cardiomiopatia e neuropatia, e podem estar relacionados em parte a mudanças fisiológicas da idade ou a uma maior prevalência de mais de uma doença. A correção de comorbidades e do déficit nutricional pode levar a uma maior segurança na prescrição da quimioterapia.

Estudo realizado por Lodovico Balducci e colegas determinou um escore preditivo validado com diversos esquemas de quimioterapia e que leva em conta tanto variáveis do paciente quanto do tratamento. Em grande parte das vezes, os pacientes que desenvolvem toxicidade severa com a quimioterapia a experimentam no primeiro ciclo da mesma, o que demonstra a importância da avaliação prévia. Foram utilizadas diversas variáveis: as clínicas (idade, sexo, comorbidades), as laboratoriais, as geriátricas (nutrição, memória, funcionalidade, depressão) e as específicas do câncer. Foram incluídos pacientes com mais de 70 anos e que poderiam estar no primeiro até o quarto tipo de tratamento quimioterápico, e foram excluídos os com demência ou em uso combinado de radioterapia. As toxicidades relacionadas ao tratamento foram divididas em hematológicas e não hematológicas. Algumas variáveis, como pressão arterial diastólica e atividades instrumentais de vida diária, mostraram correlação com toxicidade hematológica, e o miniexame do estado mental, nutrição e funcionalidade correlacionou-se com toxicidade não hematológica. O crash score conseguiu estratificar pacientes em quatro diferentes categorias de risco. Os preditores de toxicidade hematológica e não hematológica foram diferentes. Esta ferramenta pode ser utilizada como preditor de toxicidade global ou de toxicidade hematológica e não hematológica utilizando variáveis práticas e reprodutíveis em qualquer local.

Terapias curativas não devem ser negadas ao idoso devido unicamente à sua idade cronológica. A AGA e outras formas de avaliação podem ajudar a determinar o plano de tratamento mais apropriado de acordo com o status funcional, suporte social e expectativa de vida. Alguns indivíduos se beneficiam de terapias agressivas, mas também podem ser mais susceptíveis à toxicidade e talvez necessitem de maior suporte clínico. A estimativa de risco de toxicidade severa com quimioterapia é apenas um dos aspectos do planejamento terapêutico e deve ser integrada a uma decisão em caratér oncogeriátrico de forma multidisciplinar.

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