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O Justiça em Números 2021 e as demandas contratuais
| Foto: Pixabay

Acaba de ser divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) o relatório Justiça em Números de 2021, com base nos dados de 2020, importante fonte de dados estatísticos da realidade judicial brasileira. Este tipo de pesquisa permite, por exemplo, que sejam adotados mecanismos orçamentários e ajuda a avaliar os pontos sensíveis de política legislativa e judiciária.

Em um brevíssimo resumo de suas conclusões, pode-se destacar que, nos Judiciários estaduais, preponderam casos envolvendo temáticas de Direito Privado (relativos ao cotidiano de cada um de nós, com mais de 10,5% do total) associados a processos de conhecimento (visando a declaração do direito, com 23,25% do total). Acrescente-se, ainda, segundo os dados do próprio relatório, que a Justiça Estadual é responsável por 64,7% das unidades totais do Poder Judiciário, sendo a principal porta de acesso ao cidadão para exercício de seus direitos. Tais casos, contudo, têm fugido, em geral, à competência dos Juizados Especiais (com apenas 12,7% do total de casos submetidos à estrutura estadual), ou seja, eles podem ser considerados mais complexos, envolvendo temáticas com valores debatidos acima dos 40 salários mínimos ou, ainda, tratando de temas mais sensíveis (família, direitos de personalidade etc.).

Estes números, frise-se, representam a atual demanda associada à litigiosidade e não se referem aos casos resolvidos de formas alternativas à judicial. Assim, por exemplo, o enorme esforço legislativo para adoção de soluções não judiciais para casos que vão de inventários à alteração de registros civis acabam não expressos nesta estatística, mas podem ser constatados na análise comparada ano após ano.

Por outro lado, a pesquisa indica o porcentual médio de 7,3% para os casos conciliados pela atual estrutura judicial estadual, ou seja, que foram judicializados, mas resolvidos por transação (com redução de mais de 9% em relação aos números anteriores).

Até aqui, portanto, podemos concluir que os casos judiciais de 2020 são eminentemente relativos a temas privados e mais complexos, tendo um ambiente menos propenso ao consenso.

Outro dado importante é que estes novos casos têm se concentrado, eminentemente, em temática contratual/obrigacional (8,28% do total). O que isto quer dizer? São casos que envolvem controvérsias sobre a formação, interpretação e execução de contratos e pedidos indenizatórios (incluindo descumprimento contratual). Estes dados devem nos chamar a atenção especialmente porque se concentram em áreas que são, por excelência, compatíveis com posturas de soluções consensuais de conflitos e instrumentos de prevenção e compliance. Saliente-se, contudo, que o relatório não individualiza temas como a natureza dos contratos (empresariais, civis ou de consumo) ou eventuais violações às normas da Lei Geral de Proteção de Dados, que poderiam permitir uma conclusão mais aprofundada.

O que se pode, contudo, concluir de forma geral é que cada vez mais é relevante a adoção de medidas preventivas ao conflito, especialmente em temas que podem ser objeto desta estratégia. Tal postura parte, muitas vezes, da conscientização e alteração de postura pessoal e/ou de cultura corporativa. Daí porque é importante o acesso não só à judicialização, mas também à informação.

Se o contrato é uma tentativa de prever o futuro, os custos e riscos decorrentes da litigiosidade precisam ser conhecidos, avaliados e, eventualmente, tratados.

Por exemplo, todos sabemos que demandas judiciais exigem tempo e investimento. O relatório indica que, para processo de conhecimento ajuizado no Poder Judiciário estadual, a média de tramitação é de 3 anos e 8 meses em primeiro grau, eventualmente acrescido de mais 1 ano e 11 meses em segundo grau. Se for necessária a execução da decisão, a média é, ainda, acrescida de 6 anos e 11 meses. Totaliza-se, assim, uma média de 12 anos e 6 meses – isso se, de fato, o eventual crédito for satisfeito.

Além do tempo, precisa-se ter em mente o quanto custa promover e manter uma demanda judicial. Tal análise deve englobar não apenas noções de custo de manutenção de um departamento jurídico e/ou a contratação de advogados, mas também o tempo e esforço produtivo desviados para reuniões, documentação, provas e audiências; bem como o desgaste de imagem/marca, das relações com fornecedores/consumidores e da cadeia de distribuição. Algumas vezes, contudo, estes valores não são percebidos, já que o total de encargos é subsidiado pelos mecanismos de assistência judiciária. Além disso, devemos destacar o quanto a sociedade brasileira desembolsa para manter tal estrutura – por meio dos impostos que todos pagamos (em 2020, totalizando despesas de mais de R$ 57,6 bilhões apenas para o Judiciário Estadual) – para resolver questões que poderiam ser solucionadas com cuidados básicos.

É neste contexto, portanto, que passa a ser importante a adoção de verdadeira cultura de prevenção em matéria contratual. Afinal, se o contrato é uma tentativa de prever o futuro, os custos e riscos decorrentes da litigiosidade precisam ser conhecidos, avaliados e, eventualmente, tratados.

O conhecimento do custo (não apenas direto) e a avaliação do desgaste das possivelmente longas demandas judiciais devem motivar o investimento em mapeamento e análise de riscos e na implementação de medidas de adequação às normas vigentes. Além disso, a preparação para recepção de demandas – evitando sua judicialização – por meio de efetivos sistemas de ouvidoria/acolhimento e a valorização do processo de negociação e, eventualmente, mediação podem ser importantes ferramentas de contenção da litigiosidade. Destaque-se, ainda, que tudo isso passa por uma importante reavaliação da postura pessoal e de comportamento corporativo em que a conscientização (muito baseada na alteridade) e o treinamento são absolutamente relevantes. Por fim, também a cultura da litigiosidade precisa ser percebida como socialmente danosa. O advogado – em especial o contratualista - tem, nisso tudo, importante papel: ele deve ser a voz ativa na avaliação e orientação de seu cliente.

Frederico E. Z. Glitz é advogado especializado em Direito Contratual e Internacional, e mestre e doutor em Direito.

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