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O conceito de ethos em música, de acordo com a filosofia grega, grosso modo, trata da capacidade que a música tem de moldar o caráter e influenciar o comportamento humano. Tal ideia era tão importante para os gregos que Dámon, na República, afirma que “não se pode alterar os modos musicais sem alterar ao mesmo tempo as leis fundamentais do Estado”.

Para os gregos, havia harmonias valorosas e dignas de permanecerem na República, pois formariam guerreiros de caráter; havia também harmonias lamentosas e plangentes que deveriam ser suprimidas. “Nada há mais inconveniente para os guardiães do que a embriaguez, a moleza e a indolência”, afirmava Sócrates.

No período barroco, a Teoria dos Afetos alegava que determinados recursos técnicos musicais poderiam despertar emoções específicas comuns a todos os ouvintes. O compositor, escritor e teórico alemão Johann Mattheson, em sua obra Das neu-eröffnete Orchestre (“A orquestra recém-inaugurada”), de 1713, lista as características que julgava haver nas tonalidades maiores e menores. Por exemplo, a tonalidade de dó maior teria uma qualidade rude e insolente, enquanto dó menor seria amável e triste; intervalos pequenos remeteriam à tristeza; intervalos amplos, à alegria, e assim por diante.

A música – ou a arte – não é necessariamente algo bom apenas por ser música ou arte

A Teoria dos Afetos foi crucial para o desenvolvimento da ópera desde o fim do Renascimento, e seus conceitos ainda são usados, por exemplo, na música de cinema ou mesmo na música pop.

A preocupação com a influência que a música causa no espírito sempre esteve presente na história da humanidade. É na pós-modernidade que tais questionamentos caem em descrédito e a reflexão sobre as influências positivas e negativas advindas da escuta e da prática musical torna-se algo retrógrado e antiquado. Quando qualquer coisa pode ser considerada arte, os juízos de valor, assim como as questões morais e éticas relacionadas, são os primeiros a serem suprimidos do debate estético.

Um passeio pela história da indústria musical brasileira, da década de 1990 até os dias de hoje, seria muito semelhante à visita que Dante fez ao Inferno, começando nos primeiros círculos do “É o Tchan” e sua luxuriosa boquinha da garrafa, até os círculos mais profundos dos pecados mais infames, como a ira, a heresia, a violência e a traição, onde certamente estão o funk carioca e os raps proibidões de louvor à criminalidade. Na história da recente música pop brasileira deveria haver a inscrição “Deixai toda esperança, ó vós que entrais!”

Do mesmo autor: Pabllo Vittar e a roupa invisível do rei nu (17 de janeiro de 2018)

Leia também: Liberdade de expressão e arte (artigo de Rodrigo Ribeiro, publicado em 29 de outubro de 2017)

A chamada “cultura funk” promove a degradação do ambiente urbano, incentiva a sexualização precoce de crianças e adolescentes, e estimula a violência, seja diretamente, através da lavagem de dinheiro, seja indiretamente, devido às suas letras que romantizam o banditismo e o uso de drogas.

A música – ou a arte – não é necessariamente algo bom apenas por ser música ou arte. Há a música nefasta, a arte degradante. Se há uma relação íntima entre ética e estética, os valores cultivados por quem cresceu ouvindo lixo cultural evidentemente vão se refletir em suas ações. Fechar os olhos a isso e não cuidar para que o que nós ouvimos e consumimos como arte seja algo minimamente razoável ultrapassa o limite da irresponsabilidade: é suicídio.

Tom Martins, bacharel em Composição e Regência, é maestro da OFSSP, compositor e instrumentista.
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