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Imagem ilustrativa.| Foto: Albari Rosa/ Arquivo/ Gazeta do Povo

Tributação no mundo inteiro é um tema complicado. Mas só no Brasil um benefício fiscal pode causar prejuízo ao “beneficiado” e ainda tratar pior quem é mais vulnerável.

Em 2002 foi inventada no Brasil a não cumulatividade das contribuições sobre faturamento (PIS/Cofins). “Inventada” porque funciona de um jeito completamente diferente do ICMS e do IPI. Estes dois impostos geram crédito em relação ao valor do imposto recolhido na etapa anterior (aliás, é isso o que se quer fazer agora com a transformação de PIS/Cofins em CBS).

No PIS/Cofins a mesma alíquota – de 9,25% – é aplicada sobre a receita, para determinar a contribuição devida, e também sobre o valor das aquisições, para determinar o crédito a ser abatido da contribuição devida. Não interessa quanto foi recolhido de contribuição pelo fornecedor na etapa anterior. Assim, a grande indústria toma crédito de 9,25% independentemente de quem lhe forneça a matéria-prima – seja outra grande empresa (que recolheu na etapa anterior a 9,25%), seja um pequeno reciclador sujeito ao regime cumulativo (que recolheu a 3,65%).

O governo teve, então, a brilhante ideia de beneficiar o setor de reciclagem em 2007, criando um mecanismo que combina a suspensão da contribuição devida pelo vendedor com a vedação do creditamento pelo comprador. Se tanto o fornecedor quanto o industrial forem empresas de grande porte, estarão ambos sujeitos igualmente a 9,25%, de maneira que haverá apenas um diferimento. Mas, se o fornecedor é um contribuinte pequeno.... está em maus lençóis.

Isto porque, antes do “benefício”, o grande industrial tinha crédito de 9,25% indiferentemente do fato de o pequeno fornecedor de material reciclado pagar a contribuição à alíquota de 3,65%. Agora que o grande industrial perdeu os 9,25% de crédito... adivinhe qual será a redução de preço imposta ao fornecedor?

O burocrata de plantão dirá: “mas agora o fornecedor não terá de pagar os 3,65%!” Ora, pergunte ao pequeno reciclador: o que ele prefere? É óbvio que prefere pagar 3,65% a se ver obrigado a reduzir o preço em 9,25%, e isto apenas para manter a mesma condição de mercado!

É preciso transcender a compreensão do mero engenho normativo para enxergar a norma operando sobre a realidade: o benefício prejudicou justamente o pequeno agente de reciclagem, que terá de reduzir o seu preço em patamar maior do que a pretensa desoneração que recebeu do governo, isto – repise-se – apenas para manter o mesmo equilíbrio na cadeia produtiva. Ou o Estado vai obrigar por lei a indústria a suportar este custo? Ou o Supremo mandará a indústria pagar mais caro?

É esta a discussão do Tema 304 da Repercussão Geral (RE 607.109), cujo julgamento será retomado pelo plenário virtual do Supremo Tribunal Federal a partir de 28 de maio. O julgamento já conta com dois votos. A relatora, ministra Rosa Weber, colocou a salvo os recicladores optantes pelo Simples Nacional, assegurando à indústria o direito de crédito nas aquisições de tais fornecedores especificamente.

Mas a relatora assim concluiu baseada exclusivamente na incompatibilidade entre o regime do Simples Nacional e este canhestro mecanismo de suspensão/não creditamento. Nem Rosa Weber nem Alexandre de Moraes enxergaram o efeito real deste mecanismo legal – perfeitamente tangível para os pequenos agentes de reciclagem, que o sentem no bolso –, limitando-se a apreciar a sua lógica formal (não gera crédito porque estaria suspenso!).

Quem cata o lixo do Brasil – coleta, limpa, seleciona, reabilita, transforma e reintroduz na cadeia produtiva! – aguarda com apreensão e esperança a retomada do julgamento, com a declaração de voto do ministro Gilmar Mendes e a apreciação dos demais ministros.

Roberto Ferraz é advogado, mestre e doutor em Direito, e pós-doutor pela Université de Paris I – Sorbonne. Ivan Allegretti é advogado, mestre e doutorando em Direito pela USP, e professor de Direito Tributário na especialização do IDP.

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