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Muitos dos que acompanham, na mídia e na história, a devoção e o carinho pelo papa ficam perguntando-se pelo enigma dos numerosos católicos que, ao mesmo tempo que manifestam um intenso afeto e uma comovida adesão ao Papa Bento XVI, parecem recusar ou contornar os seus ensinamentos em questões morais de candente atualidade, como as relativas à família, à sexualidade e à bioética. Será um fracasso do papa? Será obstinação na defesa de valores ultrapassados que – segundo dizem alguns – os próximos papas deveriam mudar?

Na verdade, o que move e comove multidões, a começar pelos católicos – com manifestações de adesão entusiasmada que impressionam a mídia e o mundo – é, acima de tudo, a evidência de que o Papa é um homem de fé, que vive e prega em plena coerência com a verdade cristã em que acredita, e que, sendo ou não compreendido, jamais abdica do seu dever de trazer ao mundo e, em primeiro lugar, aos católicos, o "esplendor da verdade".

Se Bento XVI procurasse o "sucesso" – que parece ser a medida suprema da realização para os que tudo medem pelos ibopes–, bastaria que, esquecendo-se da verdade, se bandeasse pouco a pouco, como fazem certos teólogos, para os "novos valores" (em linguagem cristã, "contra-valores") que cada vez mais tentam dominar o mundo.

É patente que, na hora atual, vivemos numa encruzilhada histórica em que são incontáveis os que parecem andar pela vida sem norte nem rumo, entre as areias movediças do relativismo e os nevoeiros do niilismo. O Papa tem plena consciência dessa situação, e, em vez de sentir a tentação daqueles teólogos que aspiram aos afagos do mundo, para dele receber diploma de "modernos" e "progressistas", entrega a vida pela verdade que pode resgatar este mundo, sem se importar minimamente com que o chamem de retrógrado, conservador e desatualizado.

Ou será que querem um papa que deixe de ser cristão para ser melhor aceito? Pretendem que, perante esse deslizamento do mundo para baixo, com a glorificação de todas as aberrações ideológicas e morais, o papa exerça a sua missão acompanhando a descida, cedendo a tudo e limitando-se a um vago programa sócio-ecológico, a belos discursos de paz e amor, e a um ecumenismo em que todos os equívocos se possam abraçar e congraçar, porque ninguém acreditaria mais em coisa alguma, a não ser em "viver bem"?

Num mundo que diviniza a liberdade como único bem e única fonte de valores, o papa não se cansa de proclamar que a liberdade, desvinculada da verdade, se corrompe e acaba levando a uma explosão de egoísmo pessoal e coletivo que destrói a dignidade do ser humano. Sem a referência a valores comuns e a uma verdade absoluta para todos, a vida social aventura-se pela insegurança de um relativismo total. Então, tudo é convencional, tudo é negociável, inclusive o primeiro dos direitos fundamentais, o da vida.

A visita de Bento XVI ao Brasil será, sem dúvida, um testemunho de fé, convicção e coragem. Ao contrário dos que dentro Igreja cederam aos apelos da secularização, o papa sempre acreditou que a firmeza na fé e a fidelidade doutrinal acabarão por galvanizar a nostalgia de Deus que domina o mundo. Acredita que o esgotamento do materialismo histórico e a frustração do consumismo hedonista prenunciam um novo perfil existencial. Ao contrário dos "vencidos da vida", que querem curar a doença mergulhando mais a fundo nela, Bento XVI, como o fez seu grande predecessor e, sem dúvida, o farão os seus sucessores, entrega-se, sem pausas nem cansaço, à missão de erguer muito alto a marca da verdade cristã.

Essa verdade nunca foi fácil. Aos primeiros cristãos, acarretou-lhes a incompreensão, a perseguição, o ódio e o martírio. Fracasso? Não. Suprema vitória, que abriu no mundo o sulco dos valores cristãos que impregnaram a nossa civilização do melhor que ela já teve e conserva. Vitória intolerável para os totalitarismos ideológicos de todos os tempos e coloridos. Mas vitória desejada por incontáveis cristãos, especialmente a juventude, capaz de vibrar com desafios exigentes, mas refratária às propostas de um cristianismo light.

Carlos Alberto Di Franco é diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra. É diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia. difranco@ceu.org.br

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