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A economia dos contratos mereceu o Prêmio Nobel de Economia, prestigiando-se dois professores responsáveis por seus fundamentos: Oliver Hart e Bengt Holmström. A construção científica premiada tem relação direta com o nosso dia a dia e foi influenciada pela chamada teoria aplicada da “Escola de Chicago”, permeada por pragmatismo e concretude.

Ambos os laureados tiveram suas hipóteses adotadas em casos práticos, com destaque para a atuação de Hart, professor de Harvard, como perito em notórios processos judiciais; e Holmström, professor do MIT, em diversos conselhos de administração.

O contrato é essencial para o funcionamento da sociedade moderna, constituindo o que Vincenzo Roppo denomina “veste jurídica de uma operação econômica ou economicamente mensurável”. Regula ações e acontecimentos futuros. As operações cotidianas que expressa são inúmeras e englobam diversas relações nas esferas públicas e privadas, em tamanho e alcance dos mais variados. Sentido amplo, a economia global está fundada em pilares contratuais.

A economia dos contratos atual é fundada na premissa de que as pessoas que celebram contratos procuram incentivar comportamentos desejados através das cláusulas contratuais. Deste modo, questões como remuneração variável, multas, cláusula de sigilo e exclusividade deixam de ser vistas como meras geradoras de direitos para as partes, passando a permitir a construção de um conjunto de incentivos que irá fazer com que a outra parte se comporte da forma desejada. Essa questão ganhou destaque em função da incorporação do cenário de diferenças de informação entre as partes, presença de informações que apenas uma das partes detém e níveis mais altos de incerteza. Num cenário de informação plena e simétrica, as disposições contratuais seriam algo simples e direto.

O contrato é essencial para o funcionamento da sociedade moderna

O grande avanço de Hart e Holmström foi desenhar esses incentivos em contexto de problemas informacionais, como as situações em que o empregado tem uma informação privada e se é competente ou não. Aqui, tem-se três problemas principais: encontrar o parceiro contratual ideal, vencer as dificuldades de comunicação para a celebração do contrato e proceder a verificação do cumprimento do contrato. Em todos eles, a partir do trabalho dos autores laureados pode-se chegar a uma solução eficiente.

Exemplifica-se: a remuneração dos CEOs de grandes companhias americanas é objeto de intenso debate, em especial após a crise de 2008; as empresas estavam quase quebradas, mas seus CEOs faziam jus a altíssimos valores. De fato, o aumento real da remuneração média dos executivos decorre do pacote de benefícios adicionado à remuneração fixa, que pode incluir bônus de desempenho, ações, oferta de ações a preço fixo, bem como comodidades em seguros de vida, saúde e transporte. O desenho de tais benefícios na negociação dos contratos dos CEOs encontra fundamento na obra seminal de Holmström, de 1979, em vista do entendimento de que eles oferecem adequada composição entre riscos e incentivos. Além disso, outros contratos, como os contratos de trabalho e os contratos firmados por entes públicos, acabaram por incorporar os mecanismos de incentivos desenvolvidos por Hart e Holmström.

O Prêmio Nobel se voltou ao olhar microeconômico, como havia feito em 2014, quando foi concedido a Jean Tirole – coautor de Holmström em importantes estudos sobre liquidez –, que também faz uso, em seu trabalho, dos instrumentais da economia do contrato e consignou o avanço da teoria econômica em direção às situações de informação imperfeita e assimétrica. Aqui, se por um lado pode-se pontuar que se caminhou em direção à aderência à realidade, a crise de 2008 mostrou que os incentivos concedidos aos CEOs ainda não são tão eficientes, mesmo que os investidores das grandes empresas prefiram continuar remunerando seus CEOs sob pacotes de incentivos tal qual na teoria clássica acima apontada. Porém, na construção do conhecimento científico, a solução dos problemas nunca é imediata, devendo-se reconhecer os avanços, mesmo que não tenham sido capazes de produzir uma solução global. E não deixa de ser notável que Hart justamente aponta a característica de constante evolução do contrato e sua incompletude natural. Assim, o Prêmio Nobel de Economia desse ano foi concedido a cientistas que fazem parte de nosso dia a dia e que, com suas teorias, auxiliaram na criação de fórmulas contratuais em larga escala utilizadas mundo afora.

Fabio Malina Losso, advogado e doutor em Direito Civil, é membro do The Council on the University of Chicago Harris School of Public Policy Studies. Vinicius Klein, doutor em Direito Civil e Desenvolvimento Econômico, é professor de Direito e Economia na UFPR, procurador do Estado e presidente da Adepar.
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