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| Foto: Raul Arboleda/AFP

Nesta semana a escalada do conflito na Venezuela ganhou contornos bélicos. Civis morreram na fronteira atacados pelo exército que defende o governo. A ajuda humanitária não encontrou formas de chegar devido a fronteira estar militarmente fechada. O presidente Bolsonaro consultou os presidentes do Supremo Tribunal Federal, da Câmara e do Senado sobre a possibilidade de declaração de guerra contra o país que sofre a opressão do governo autoritário de Nicolás Maduro.

Ao falarmos de guerra, estamos necessariamente falando de direito internacional. A Carta da ONU estabelece que os membros deverão abster-se nas suas relações de recorrer à ameaça ou ao uso da força, quer seja contra a integridade territorial ou a independência política de um Estado ou por qualquer outro modo incompatível com os objetivos da ONU. No entanto, a mesma carta prevê exceções: 1) a legítima defesa; 2) as medidas adotadas ou autorizadas pelos seus órgãos competentes para manter ou restabelecer a paz e a segurança; 3) as medidas adotadas contra anteriores Estados inimigos; 4) as medidas adotadas por organizações regionais, no caso das Américas a organização de maior relevo seria a OEA.

No que diz respeito ao direito interno, a Constituição Federal do Brasil autoriza o presidente a declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional. O presidente deverá decretar a mobilização nacional que consiste em ato pelo qual se divide a população entre combatentes e não combatentes. Atualmente o número do efetivo do exército brasileiro é de 222.234 mil. Este número é estabelecido todo ano em tempos de paz por meio de decreto do presidente, mas os reservistas podem ser chamados a integrar as forças armadas em caso de guerra.

A Constituição prevê a possibilidade da pena de morte em caso de guerra externa declarada

É por isso que o Decreto-Lei 1.187/1939 diz que em caso de guerra externa, ou para manter a integridade nacional, todo brasileiro maior de 18 anos até a idade que o governo fixar poderá ser chamado a prestar serviço em defesa da pátria. No mesmo decreto está previsto o crime de insubmissão que se constitui pelo fato de o cidadão chamado à incorporação no Exército ou na Marinha de Guerra deixar de apresentar-se no lugar designado e dentro do prazo marcado.

Uma dúvida importante: qual é a capacidade das forças armadas brasileiras?

Exército, Aeronáutica e Marinha juntos, atualmente tem o maior contingente militar da América Latina. Em 2017 o Brasil registrou gastos de 1,4% do PIB com as forças armadas. De acordo com dados do GlobalFirepower, que desde 2006 analisa a situação do poderio militar de 136 países do mundo, o Brasil é uma potência militar e está em 14.º lugar no ranking que leva em consideração quantidade de pessoal e quantidade e qualidade de armamentos para construção do indicador de poderio militar.

Dito isto, qual seriam os efeitos para a sociedade em geral?

A Constituição prevê a possibilidade da pena de morte em caso de guerra externa declarada. O instituto que regula a pena capital em caso de guerra é o Código Penal Militar, os crimes punidos com a perda da vida são: traição, motim, revolta ou conspiração e espionagem. A execução da sentença deve se dar por meio de fuzilamento.

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Não se pode esquecer que o Brasil é signatário da Convenção Americana de Direito Humanos e nela está previsto que: 1) em nenhum caso pode a pena de morte ser aplicada por delitos políticos, nem por delitos comuns conexos com delitos políticos; 2) toda pessoa condenada à morte tem direito a solicitar anistia, indulto ou comutação da pena, os quais podem ser concedidos em todos os casos. Não se pode executar a pena de morte enquanto o pedido estiver pendente de decisão ante a autoridade competente.

Outro impacto a ser considerado é que uma guerra poderia interferir na agenda do Congresso Nacional e, por consequência, na tão falada reforma da Previdência, pois trata-se de projeto de emenda constitucional que ficaria suspenso, por determinação constitucional, enquanto durar a vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.

Para além disto, existem as hipóteses de eventuais medidas que poderiam ser adotadas contra a população. São possíveis durante o estado de defesa ou de estado de sítio: a obrigação de permanência em localidade determinada; restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão; a suspensão da liberdade de reunião; a busca e apreensão em domicílio; a intervenção nas empresas de serviços públicos; a requisição de bens; a ocupação e o uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade pública.

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É fato que os custos de uma guerra para a sociedade brasileira são imensos, temos questões internas prementes que exigem concentração da liderança política do país. Urge recordar de nossa experiência bélica do século 19 no Paraguai, que gerou flagrante desequilíbrio orçamentário e no Tesouro brasileiro, o conflito custou quase 11 anos do orçamento público anual da época e registrou perdas de 50 mil homens.

Portanto, é fundamental nestes tempos de tensão estarmos atentos e vigilantes para o potencial uso desvirtuado das prerrogativas do presidente que devem ser guiadas pelo sistema constitucional de crises. Faz-se necessário empenho da comunidade internacional na tentativa, sempre mais produtiva, de solução da crise venezuelana pelas vias diplomáticas.

João Pedro Paro, advogado, cientista social e pesquisador do Instituto de Relações Internacionais da USP, é pós-graduado em Compliance e Direito Penal Econômico Europeu pela Universidade de Coimbra e mestre em Direito do Estado pela USP.
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