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Em Portugal, andar em Lisboa é retornar ao tempo, recordar e aprender um pouco da nossa herança cultural e histórica.

Os desenhos de brasões, marcos e símbolos da cultura portuguesa, berço da nossa colonização, estão presentes nos casarões, nos pisos de petit-pavé e em detalhes da arquitetura como seus belíssimos azulejos que há séculos fascinam os decoradores e os apreciadores de arte.

Imagens e símbolos que lembram aventura e conquista, como a Cruz de Malta e os aparelhos de navegação, são conhecidos em todos os continentes.

A preservação da memória cultural e histórica, moldada e esculpida em espaços públicos urbanos, impressiona pelo cuidado e respeito ao passado e tradição do povo português. Ainda hoje, a Prefeitura de Lisboa mantém os moldes de madeira, que foram utilizados em seus pisos de petit-pavé, com desenhos que ilustram a saga portuguesa como fonte irradiadora de cultura, conhecimento e história.

Da mesma forma, admiramos a beleza e imponência dos boulevards franceses, com seus belos pisos em petit-pavé. Espaços urbanos utilizados para difundir movimentos culturais, expressar a arte e retratar a evolução social. Ao alcance do povo e aos seus pés, caminha-se nos traços da arte barroca, nas linhas do Art Noveau e nos desenhos modernos e contemporâneos. A arte fluía pelas mãos dos calceteiros, e o martelo e o petit-pavé eram o pincel e a tinta do movimento popular. As calçadas se confundem com a moldura e o quadro principal.

Sob a influência européia, no Brasil um dos mais conhecidos cartões-postais do Rio é o calçadão, com as ondas do mar delineadas pelas pedras de petit-pavé. Imagem reconhecida pelo mundo afora.

Curitiba, de grande diversidade cultural e forte influência européia, herdou o piso em petit-pavé como fonte de expressão e arte. Figuras e desenhos do Movimento Paranista, retratadas em nossos pisos, formam laços com a memória dos movimentos culturais europeus e também com traços da cultura indígena.

A cidade que semeou a pinha, desenhada por Lange de Morretes, colheu a Rua das Flores. Uma história lapidada e preservada por desbravadores, calceteiros, artistas, sonhadores e todos que durante anos lutaram e fizeram do ato de caminhar uma atitude de respeito à cultura e memória de nossa gente e do nosso patrimônio histórico. Pedras que, com muito trabalho e suor, deram vida às nossas calçadas e ruas, cedendo lugares para a Ópera de Arame, Parque Tanguá, Pedreira Paulo Leminski e outros espaços culturais e ambientais.

Infelizmente, vemos o petit-pavé como alvo de um franco-atirador, de um exército poderoso e invisível. Esta pequenina pedra de mármore dolomítica está sendo questionada quanto à segurança ao pedestre. De consistência igual ao granito, este porém é utilizado e preferido nos grandes shoppings, cozinhas e banheiros dos mais abastados e luxuosos condomínios. A diferença é ainda maior quando o granito é polido e brilhante. Talvez o granito seja o piso rico, utilizados nas edificações luxuosas e o petit-pavé seja o piso pobre, áspero e fosco, utilizado nas ruas e para o povo.

Com tantas e tantas ruas sem calçadas em nossa cidade, a quem interessa apagar e alterar o retrato da Rua das Flores, um dos mais famosos cartões-postais de Curitiba?

Teremos de nos inspirar em Davi, com sua pequena pedra, para derrotar Golias, com seu grande exército de concreto? Ou a nossa história e memória serão apagadas pela borracha de cimento?

Luiz Hayakawa é arquiteto e urbanista e ex-presidente do Ippuc (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba).

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