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Imagem ilustrativa.| Foto: Pixabay

Em 20 de março, a Gazeta do Povo publicou o artigo “O prenúncio da queda do bitcoin”, escrito por Lucas Silva Pedrosa. Considerando que concordo com parte do artigo, esta réplica dirige-se unicamente a questionar aquilo que me parece incorreto ou precisa ser complementado naquele texto.

O autor afirma ter entrado em contato com o bitcoin no início de 2017, quando sua cotação era de R$ 3 mil, sendo hoje de R$ 325 mil. Ou seja, tivesse comprado R$ 10 mil em 2017, hoje, em março de 2021, o articulista seria milionário.

Pedrosa ressalta que nenhuma moeda possui lastro, inclusive o bitcoin, e que o dólar é uma moeda forte porque o Fed e o governo norte-americano são bons pagadores mundiais dos seus títulos de dívida. Salienta que a diferença é que o bitcoin é uma moeda privada, não tem carimbo de governo nenhum, que há um estoque limitado dela ao teto de 21 milhões de bitcoins, o que não deixa ocorrer expansão monetária, em parte um dos motivos pelos quais sobe muito, pois a oferta é estável e a demanda é crescente.

Afirma ele que, em 2018, para cada pessoa que participava das negociações na Bovespa, duas negociavam bitcoin, bem como, embora não haja dados concretos que corroborem a hipótese, caso a proporção se mantenha haveria quase 6,5 milhões de brasileiros negociando bitcoin. De fato, há dados concretos. Há gráficos de evolução de usuários do bitcoin, atualmente estimados em 135 milhões de pessoas no mundo. Há gráficos de evolução de aquisição de novos usuários e de sua integração no mercado de bitcoins. A velocidade da integração de novos usuários é superior à da internet, concebendo o ponto inicial do surgimento de ambos. A estimativa gráfica apontava que, próximo ao ano de 2025, mais de 1 bilhão de pessoas usarão ou terão bitcoins. Entretanto, pela atual velocidade de novos usuários, essa estimativa tem sido realocada para o ano de 2024. A curva ascendeu.

Ressalto que uma das grandes diferenças do bitcoin em relação à moeda estatal é que sua regulamentação é matemática, enquanto a da moeda estatal é política. O bitcoin é regulamentado por criptografia; a moeda estatal é regulamentada por política monetária, por política de controle de juros do Banco Central, por legislação. E a regulamentação matemática é uma grande vantagem. Imaginem uma moeda independente de Brasília, independente da honestidade de políticos, independente de burocratas.

Diz o articulista que se costuma ler em livros de investimento e economia que “quando o engraxate dá conselhos de investimentos, é hora de sair da bolsa”, ou “quando uma ação começar a ser destaque nos telejornais devido ao seu grande crescimento, é hora de vendê-la”. Sim, o articulista está correto, como também é correto afirmar que nenhum investidor deve se apoiar em consultores de economia, dado que se soubessem de economia não seriam consultores, seriam eles mesmos os investidores, milionários ou multimilionários. Agir opostamente ao que diz o consultor pode ser muito prudente como meio de preservar e aumentar seu patrimônio, vide o caso de Samy Dana, que dizia não se dever investir em bitcoin, isto no ano de 2015. Caso alguém tivesse comprado R$ 12 mil em junho de 2015, teria 4 bitcoins. Atualmente, em 2021, 4 bitcoins correspondem a algo próximo a R$ 1,3 milhão. Não ouvir consultores pode lhe enriquecer.

Diz o articulista que o bitcoin tende a ser um ativo que será somente especulativo e que dificilmente poderá ser usado como moeda, pois uma das características necessárias para a moeda é ser um instrumento estável, pouco volátil, coisa que o bitcoin estaria longe de ser. Bem como o intuito de dar à moeda tais características justificaria as figuras dos bancos centrais. Neste ponto há de se considerar, primeiro, que futurologia normalmente leva ao caminho errado, dado que não há como prever se o bitcoin será unicamente especulativo no futuro. O fato é que não sabemos se em cinco anos o real existirá, nem o uso que se fará do bitcoin. Em segundo ponto, o bitcoin já é usado como moeda em várias e diversas operações econômicas. Ou seja, já funciona como moeda em vários e diferentes mercados. Em terceiro ponto, todos os ativos são especulativos de alguma forma. A ideia de investir é também a ideia de especular, de elevar suas posses, de elevar seu patrimônio. Somente os que não almejam melhorar o próprio patrimônio não são especuladores. Ou seja, são os empregados contratados pelos especuladores para lavar automóveis, para limpar a casa, para abrir o escritório em horários específicos. A escolha entre desejar enriquecer ou ter um salário é do indivíduo. Cada um escolhe para si se almeja ou não ter soberania individual.

Além disso, a questão da volatilidade é de simples explicação. A uma, o mercado do bitcoin não é controlado pelo governo. Podemos comparar os mercados controlados pelo governo com aqueles não controlados pelo governo. Basta comparar uma tartaruga a Usain Bolt numa corrida de 100 metros rasos. O livre mercado é mais funcional e ágil que o mercado controlado pelo Estado. Quem quer mercado regulado compra imóvel. Quem quer mercado desregulamentado compra bitcoin. Cabe ao indivíduo escolher onde se enfiar, não ao governo dizer onde ele pode ou não ir. A segunda, o mercado global do bitcoin ainda é pequeno, atualmente próximo a US$ 1,1 trilhão, e aumenta diariamente. Quanto mais próximo de US$ 10 trilhões de mercado global, mais estável e menos volátil deverá ser.

A ideia de que a figura dos bancos centrais visa gerar estabilidade monetária não é factível em nenhum lugar do planeta. Ao longo de toda a história, todas as moedas controladas por bancos centrais perderam enormemente seu poder de compra, até o momento de sua nulificação final. Nunca houve exemplo contrário, seja em relação ao dólar americano, seja em relação à libra, seja em relação ao marco, seja em relação ao real brasileiro. Tanto que se afirma que uma nota de R$ 100 no ano de 1994 corresponde a R$ 18 em 2021. A corrosão monetária provém exatamente da política monetária, dos governos, dos bancos centrais. É fantasia pensar que os bancos centrais preservam as moedas.

Mais adiante, diz o articulista que há grande chance futura de o mercado de bitcoins se tornar muito regulamentado, e que dentre os motivos pelos quais tende-se a regulamentar esse mercado estão as complicações na rastreabilidade dos fluxos de renda, o que dificulta a vida dos fiscos mundiais e de investigações criminais.

Como advogado e mestre em Direito, ainda não sei como se pode fazer para regulamentar o bitcoin, que é um protocolo matemático criptografado distribuído na internet sem aderência a uma pessoa, cujas operações ocorrem por meio de uma hash. Ou seja, é necessário esclarecer como é possível aos governos regulamentar a matemática cuja aplicação está distribuída em mais de 100 mil computadores ao redor do planeta. De outro lado, a questão da “lavagem de dinheiro” provém muito mais da atuação da corrupção dos governos e dos políticos que do mercado. O grande organismo corruptor, e que é a fonte primária da lavagem de dinheiro, são os governos e seus burocratas. Portanto, desvincular a moeda de governos diminui a lavagem de dinheiro. Até nisso o bitcoin é uma influência positiva.

Segundo o articulista, o principal motivo pelo qual os governos tendem a controlar o bitcoin é porque a moeda pode ser um instrumento de perda da soberania dos Estados. Caso existisse uma moeda internacional de emissão privada e com baixa volatilidade, os governos, por intermédio de seus bancos centrais, perderiam todo o controle que possuem dos fluxos monetários nas suas moedas. Um Estado que não pode controlar uma economia, rastrear os fluxos monetários e taxar as transações estaria em ruínas. Assim, para os governantes, é bom que o bitcoin seja volátil, e sua queda vertiginosa pode ser um bom motivo para que se comecem as regulamentações.

Sobre isso, é correto que há uma perda da soberania estatal com o bitcoin. Entretanto, ao mesmo tempo, há um aumento da soberania individual. Separar a religião do Estado foi benéfico à população. Separar o dinheiro do Estado é igualmente benéfico à população, ao indivíduo, que pode ter mais autonomia e mais independência da corrupção instituída pelos bancos centrais, independência da idoneidade dos políticos, enfim, independência em relação à política. De outro lado, até o momento há um aumento vertiginoso do valor do bitcoin. Na lógica do artigo, isso paralisaria as regulamentações, dado que nele está afirmado que a queda vertiginosa pode ser um bom motivo para regulamentar. Naquela lógica, com a valorização vertiginosa haveria um bom motivo para não regulamentar.

Pedrosa está certo de que o bitcoin vai desabar um dia, pode ser por estouro da bolha especulativa, pode ser por regulamentação. Nesse ponto concordo. Minha aposta futurológica é que em aproximadamente mil anos o bitcoin desabe. Minha aposta futurológica é que em poucos anos veremos a hiperbitcoinização. Ou seja, as moedas estatais, caso continuem a existir, serão lastreadas em bitcoin. Cada um com sua futurologia.

Para o articulista, há muita gente comprando bitcoin porque há uma subida vertiginosa de preço, como ocorre com qualquer bolha especulativa, e que todos os investidores médios parecem pensar que a subida não terá fim e que é no momento de extrema euforia que os grandes players começam a se livrar da posição comprada. A respeito, os fundamentos do mercado em que está inserido o bitcoin são outros, não os que foram apresentados no artigo. A questão é um pouco longa, não há como desenrolar isso sem escrever muito mais. Sobre isso, de modo abreviado, apenas aconselho a leitura dos artigos a respeito do “stock-to-flow” que trata das curvas de preço correlacionadas à análise matemática do fluxo e estoque no mercado do bitcoin. Como ele não está lastreado em política monetária, nem em controle governamental, igualmente não se comporta como um mercado tradicional. Aplicar a mesma regra de uma biga romana não funciona com uma Ferrari, embora ambos sejam veículos de locomoção. A tecnologia do bitcoin nos retira da Idade da Pedra monetária dos bancos centrais... isso que nem tratamos do Efeito Cantillon.

Paulo Demchuk é advogado e mestre em Direito.

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