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Está no palco dos debates proposta de Emen­­da à Constituição cujo conteúdo propicia a dissolução direta do casamento civil pelo divórcio. Suprime-se, assim, a necessidade do atual requisito da prévia separação.

Uma vez que a dissolubilidade do vínculo matrimonial se admite no Estado brasileiro há mais de 30 anos, o epicentro da proposta não está, portanto, no divórcio, mas sim no fim da separação que houvera, a seu tempo, substituído o antigo desquite.

Se a extinção desse requisito já chega tarde, cabem, entretanto, alguns esclarecimentos e reflexões. É necessário que o tema seja reconduzido à dimensão que efetivamente tem.

A propósito, a cognominada mãe espiritual da poesia norte-americana, Emily Dickinson, em verso lúcido se perguntava, ao sentir o embate entre Davi e Golias, se era Golias realmente muito grande ou se era o olhar do observador muito pequeno. A metáfora poética calha bem, pois não raro o que se vê é menos aquilo que realmente se deve enxergar e muito o quê supomos ver.

A aprovação da Emenda em pauta não tem a força de representar mesmo uma ofensa às famílias nem para desabonar a indiscutível importância que os vínculos familiares verdadeiros têm para os filhos e para toda a sociedade que almejam paz e segurança. Não deve ser, todavia, ser apreendida como o bálsamo de problemas estruturais na prevenção, manutenção e restauração da convivência familiar.

A vida em família não é apenas um dado da vida, como se fosse algo que vem pronto e acabado, à disposição nas lojas do destino; é, isso sim, um construído, um caminhar árduo e constante de abrigo e compreensão, de diálogo e de respeito.

A Emenda é, sim, em nosso ver, relevante e merece ser aprovada. Não se basta, porém. É certo que pais se divorciam (e para tanto são imprescindíveis meios multidisciplinares judiciais e extrajudiciais de conciliações, mediações, e inclusive de arbitragens no campo familiar patrimonial); não é menos correto afirmar, contudo, que não há liberdade sem responsabilidade, produto escasso nos dias de hoje.

Não será, por conseguinte, da aprovação de tal emenda que derivaria a atonia muscular dos laços familiares. Um olhar atento à arquitetura de valores faltantes no mundo contemporâneo será suficiente para ver que o Golias da emenda é muito menor que aquele gigante fosso de pleitos encontráveis numa sociedade ainda injusta.

Não satisfaz apenas um novo e insular Davi, dado que também não será somente com a aprovação da proposta que o Estado brasileiro terá cumprido sua missão de promoção social, cultural e econômica das famílias, abertas, plurais e solidárias. As leis, por si só, não amassam o trigo que se transforma em pão: são necessários meios, recursos e decisões, sociais e governamentais.

É um direito fundamental, sem dúvida, a liberdade individual; no entanto, é dever fundamental responder por si, pelos filhos e pela própria sociedade da qual, por ação ou omissão, se faz parte.

Aos menos três cuidados, assim, deve se ter: (a) não sucumbir ao modismo das novas propostas legislativas que nos assolam (do que é notório sintoma a retomada da era dos Códigos, como o Códi­­go Civil recente, os projetos de Código de Processo Penal, de Código de Processo Civil, e até se cogita de um Código de Processo Constitucional); (b) não se submeter ao que tem de criticável o ativismo judicial (o qual não se confunde com a elogiável e democrática judicialização das demandas da cidadania); e (c) não fazer da proposta apenas uma imagem especular invertida da realidade.

Mais educadores e profissionais da saúde, por exemplo, para atender as necessidades básicas das famílias, não emergem vivos e já prontos apenas de publicações em diários oficiais.

A poesia discreta de Emily nascida Dickinson em Amherst já nos interrogava: será Golias do mundo da vida realmente muito grande ou seremos nós demasiadamente pequenos?

Luiz Edson Fachin, advogado, professor da UFPR e da PUCPR, membro do IBDFAM

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