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O propósito deste artigo é discutir os aspectos legítimos e justos de recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em pedido de liminar ajuizado pela Advocacia-Geral da União (AGU) e relacionado à criação de mais um curso de medicina. O pedido visava suspender as matrículas e outros atos tendentes à implementação e ao funcionamento do curso de medicina da Faculdade de Medicina de Garanhuns (Fameg), mantida pelo Instituto Tocantinense Antônio Carlos (ITPAC).

A AGU alegou que o desembargador que havia autorizado o curso usurpou prerrogativa do STF para julgar conflito entre União e estados. Ocorre que o pronunciamento se deu em um recurso interposto pelo ITPAC contra decisão do Juízo da 23ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco, que concedeu liminar ao Ministério Público Federal (MPF) e à União, em ações civis públicas por eles propostas e reunidas pelo juiz em vista da relação existente com outra causa.

Ao relatar a matéria, o ministro Eros Grau salientou que no caso "não estavam presentes os requisitos que autorizavam a concessão da liminar; isto é, a fumaça do bom direito e o perigo na demora". E acrescentou: "Como foi afirmado pelo ministro Carlos Britto, da paralisação das atividades da instituição de ensino resultam prejuízos para os estudantes", referência feita ao julgamento da ação cível originária.

Para finalizar seu despacho, justificou: "Diante de um possível confronto entre a usurpação de competência da União e as perdas referentes ao patrimônio acadêmico dos estudantes interessados, estas últimas são mais nefastas. Afasta-se, destarte, a concessão de medida liminar para obstar o funcionamento de uma instituição de ensino".

Parece-me que mais nefasta que "as perdas acadêmicas dos estudantes", é a ausência da garantia de qualidade no ensino da Fameg. E essa ausência, fator de extrema relevância, deixou de ser considerada pelo eminente ministro relator. Entendo ser preferível a "perda do patrimônio acadêmico dos estudantes", do que a formação profissional desqualificada. Os alunos conseguem o diploma de médico, mas poucos terão conhecimento sólido sobre a profissão que, como se sabe, lida com vidas humanas.

A AGU, com a medida liminar ajuizada, não pretendia obstar o funcionamento de uma instituição de ensino, mas sim "mais um curso de medicina", por sinal o de número 176. O Brasil ocupa o segundo lugar no ranking mundial de escolas médicas, posição nada agradável.

Vale lembrar que a Constituição, no artigo 22, XXIV; a Lei 9.394/ 96, art. 9º, IX, arts. 16 e 17; e a Lei 5.773/06, art. 28, preceituam que é de competência da União autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar instituições de ensino superior (IES), sejam públicas ou privadas. E ainda, as IES mantidas pela União, assim como as criadas e mantidas pela iniciativa privada, fazem parte do sistema federal de ensino. Além disso, o artigo 17 da LDB só inclui no sistema estadual de ensino as IES criadas e mantidas pelo poder público estadual ou municipal. Assim explicitado, foge à competência do Conselho Estadual de Educação de Pernambuco autorizar, credenciar, reconhecer ou supervisionar IES.

Por outro lado, o ministro da Educação, Fernando Haddad, sensibilizado e preocupado com a qualidade dos cursos de medicina, chamou para si a solução do problema. Convocou o professor Adib Domingos Jatene para constituir uma Comissão de Ensino Médico e auxiliá-lo na difícil tarefa. A comissão é constituída de 12 professores universitários e a tarefa agendada está sendo cumprida: de início, avaliar as escolas de medicina que não alcançaram conceito mínimo no Enade 2007. Foi uma luz que se acendeu no fim do túnel. Agora, no meu entender, a decisão do STF "atropela" todo o trabalho a ser realizado pela Comissão e pelo MEC, além de elevar a três os cursos de medicina funcionando "pendurados" em liminares da Justiça.

Diz-se sempre que "lei é para ser cumprida, não discutida". Contudo, Montesquieu, político, filósofo e escritor francês dizia: "Uma coisa não é justa porque é lei, mas deve ser lei porque é justa". Portanto, será perfeitamente válido o MEC empenhar-se vigorosamente usando todos os instrumentos legais para tentar reverter a decisão do STF.

Antonio Celso Nunes Nassif, doutor em Medicina pela UFPR, é membro da Comissão de Ensino Médico do MEC e ex-presidente da Associação Médica Brasileira.

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