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O STF não é mesa de conciliação entre os Três Poderes

A Constituição de 1988 garante a separação de Poderes com controles recíprocos, não mediação política do STF entre Executivo e Legislativo. (Foto: Pedro França/Agência Senado)

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A Constituição Federal de 1988 institui o Brasil como Estado Democrático de Direito, comprometido com a solução pacífica das controvérsias e com a harmonia social. Essa ideia aparece já no preâmbulo, que proclama uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Mas é importante notar que “harmonia” entre os Poderes não se confunde com negociação política mediada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

A harmonia a que se refere o texto constitucional resulta da estrutura de separação de Poderes com pesos e contrapesos – princípio que, embora não citado com essas palavras, está amplamente consagrado na Constituição de 1988.

Inspirado na tradição norte-americana de checks and balances, esse sistema distribui competências de forma que nenhum dos Poderes seja absoluto, criando instrumentos de controle e limitação mútua.

O artigo 2º é claro ao afirmar que Legislativo, Executivo e Judiciário são “independentes e harmônicos entre si”.

Ao se colocar como mesa de conciliação entre Executivo e Legislativo, o Supremo ultrapassa os limites da jurisdição e passa a interferir no processo político de forma inadequada

A expressão “harmônicos” não autoriza interferências políticas ou negociações mediadas por um Poder sobre os outros, mas impõe um modelo de equilíbrio em que cada Poder limita os excessos do outro.

Essa lógica se expressa em dispositivos como o artigo 49, que permite ao Congresso sustar atos normativos do Executivo que exorbitem o poder regulamentar; o artigo 52, que atribui ao Senado o poder de aprovar indicações presidenciais e julgar crimes de responsabilidade; o artigo 66, que estabelece que o Presidente pode vetar projetos de lei, mas o Congresso pode derrubar o veto; o artigo 102, que confere ao STF o exercício do controle de constitucionalidade, anulando atos ou leis contrárias à Constituição; os artigos 70 a 75, que preveem o controle financeiro e orçamentário por meio do Tribunal de Contas; o artigo 142, que subordina as Forças Armadas ao poder civil; e o artigo 60, §4º, que estabelece as chamadas cláusulas pétreas, impedindo qualquer reforma que elimine a separação de Poderes.

Esses dispositivos formam um sistema jurídico robusto de limites recíprocos, sem necessidade de “acordos” mediados por um dos Poderes. Cada conflito institucional relevante deve ser resolvido pelo exercício das competências constitucionais, não por negociação política conduzida pelo Judiciário.

Nesse contexto, causa perplexidade a recente decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que além de suspender atos do governo federal e do Congresso sobre o IOF, determinou a realização de uma audiência de conciliação entre Poderes.

Esse gesto sugere que o Supremo se vê não apenas como guardião da Constituição, mas como moderador político entre Executivo e Legislativo. Tal interpretação não encontra respaldo no texto constitucional.

O STF tem a função de resolver conflitos jurídicos e exercer controle de constitucionalidade – não de mediar negociações políticas entre os demais Poderes. Essa confusão de papéis ameaça o próprio equilíbrio institucional que a Constituição pretende garantir.

VEJA TAMBÉM:

Em vez de proteger a separação de Poderes, corrói-a, tornando-se árbitro político em detrimento de sua função jurídica.

A Constituição não prevê o STF como facilitador de acordos políticos entre os demais Poderes. Prevê, isso sim, um sistema de controles recíprocos que devem ser exercidos de forma impessoal, por meio de decisões vinculadas ao texto constitucional.

A harmonia não se constrói por conciliação política patrocinada pelo Judiciário, mas pela observância rigorosa das competências e dos limites que cada Poder tem em uma democracia constitucional.

Preservar essa divisão clara é essencial para a estabilidade institucional e para o próprio Estado Democrático de Direito. Substituir pesos e contrapesos por negociações informais conduzidas pelo Supremo não é solução – é convite ao desequilíbrio e à politização da Justiça.

José Maurício de Lima, advogado, administrador, árbitro e mediador, é mestre em Filosofia e professor do IDP-Brasília.

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