Sessão extraordinária do STF.| Foto: Nelson Jr./SCO/STF

O Supremo Tribunal Federal publicou, em 12 de agosto, a ementa do acórdão proferido nas ADIs 4901, 4902 e 4903, ajuizadas pela Procuradoria-Geral da República, e da ADI 4937, ajuizada pelo PSol, todas em questionamento da legalidade do Código Florestal, além da ADC 42, ajuizada pelo Partido Progressista (PP), com objetivo inverso, o de sustentar a adequação da Lei 12.651/12 com os preceitos constitucionais.

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O julgamento era muito aguardado e demorou a tornar a forma pública de acórdão. O novo Código Florestal foi promulgado em 2012, após mais de dez anos de tramitação no Congresso Nacional e com amplo debate da sociedade, mobilizada em audiências públicas e manifestações de toda sorte na imprensa, na academia e nos meios empresariais. O questionamento de sua constitucionalidade causou grande atraso na implementação da recuperação ambiental que a lei propôs, além de insegurança jurídica que atrapalha diversos setores cruciais da economia brasileira, do agronegócio ao saneamento público.

A sessão de julgamento ocorreu sob holofotes atentos em 28 de fevereiro de 2018, pouco antes que a lei completasse seu sexto ano. Mesmo tomado o veredito da corte suprema, o acórdão ainda não foi disponibilizado na íntegra e está longe de se tornar definitivo, dados os anunciados embargos de declaração que certamente serão apresentados, seja pelo Ministério Público, seja pelos diversos amici curiae que participam do processo.

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O acórdão foi um marco fundamental da posição democrática do STF, ao referendar as decisões políticas do Poder Legislativo

Com a publicação da ementa do julgamento, é possível fazer comentários preliminares sobre a luz no fim do túnel no emaranhado cipoal que se tornou o direito ambiental brasileiro. Com efeito, duas questões fundamentais parecem estar melhor esclarecidas a partir deste julgamento.

Em primeiro lugar, o acórdão foi um marco fundamental da posição democrática do STF, ao referendar as decisões políticas do Poder Legislativo no tocante à disciplina do meio ambiente, refutando a aplicação do “princípio da vedação do retrocesso” em matéria ambiental. Principal fundamento das ADIs, este princípio foi uma construção doutrinária, incorporada por intelectuais que viam a necessidade de impor ao Poder Legislativo amarras que limitassem a possibilidade de revisão de normas protetivas do meio ambiente. Não se trata de um princípio previsto na lei ou na Constituição, mas uma construção dogmática e jurisprudencial para a proteção dos direitos sociais adquiridos, cujas conquistas também já foram tidas como irreversíveis, mesmo que por lei.

A corte suprema reafirmou, contrariamente a essa tese, que “as políticas públicas ambientais devem conciliar-se com outros valores democraticamente eleitos pelos legisladores como o mercado de trabalho, o desenvolvimento social, o atendimento às necessidades básicas de consumo dos cidadãos”, sendo absolutamente possível – e, por que não?, desejável – permitir a revisão dos critérios de proteção ambiental sob paradigmas novos, que busquem o desenvolvimento sustentável sob uma forma ampla, que concilie o interesse do meio ambiente natural com o das civilizações humanas que nele se inserem.

Em segundo lugar, foi importante que o STF tenha afastado expressamente outro princípio inventado pela dogmática ambiental para justificar a prevalência de uma visão de mundo preservacionista que se sobreponha aos demais interesses tutelados pelo Estado. A ementa do acórdão deixa claro que a tese de que a norma mais favorável ao meio ambiente deve sempre prevalecer (in dubio pro natura) não tem guarida em nosso ordenamento jurídico.

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Esse postulado também tem grande importância para o aprimoramento da governança ambiental no Brasil. Afastando uma tendência jurisprudencial intervencionista visível em diversos tribunais da Federação, especialmente em câmaras especializadas, o Supremo reconheceu “a possibilidade de o regulador distribuir os recursos escassos com vistas à satisfação de outros interesses legítimos, mesmo que não promova os interesses ambientais no máximo patamar possível”.

Essas são lições importantes e que devem trazer novas luzes aos debates sobre as políticas públicas ambientais no Brasil. De fato, é necessário que se reconheça que são os poderes políticos os mandatários legítimos para a disciplina dos direitos individuais, especialmente o da propriedade e da liberdade, que se desdobram na livre iniciativa de empresa e no desenvolvimento econômico e social. Cabe ao Judiciário referendar, como fez o acórdão, esse preceito democrático, derrotando as tentações individuais dos juízes de transformar o poder jurisdicional em atividade política e de impor, com força de decisão judicial, a sua visão de mundo, ao arrepio da lei e das escolhas do legislador.

Em um momento crucial para o Estado e para a democracia brasileira, mostra-se ainda mais importante uma orientação nos rumos institucionais que o país deverá tomar, reconhecendo-se a soberania dos poderes constituídos para tomar decisão como mandatários do povo. É fundamental que o establishment ceda à tentação de impor limitações à soberania popular com fundamento em uma razão que não necessariamente representa soluções pragmáticas para os problemas que o país vive, especialmente na seara ambiental.

Francisco de Godoy Bueno é advogado e vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira.