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| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

Faltando poucas semanas para o início da Copa do Mundo, o país do futebol acompanha com atenção os passos de uma equipe formada por personalidades com estilos de jogo muito particulares: o Supremo Tribunal Federal. Confirmada a condenação do ex-presidente Lula pelo TRF-4 e denegado um habeas corpus no STJ, as atenções da torcida brasileira voltaram-se para o STF que, numa sessão cheia de catimba, negou-lhe um novo habeas corpus, abrindo caminho para sua prisão.

No entanto, duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade podem bagunçar o meio de campo e reverter o entendimento. Caso os pedidos sejam julgados procedentes, a decisão beneficiará não apenas Lula, mas também todos aqueles que se encontram presos em idêntica situação.

O pontapé inicial de toda a polêmica foi dado em 2016, quando a corte admitiu a execução da pena após a condenação em segunda instância. Proferida a decisão, organizaram-se torcidas a favor ou contra este posicionamento.

Para evitar injustiças que afrontam a dignidade da pessoa humana, melhor seria aguardar o pronunciamento definitivo do Judiciário

De um lado, aqueles que se posicionam contrariamente à prisão sustentam que, segundo a Constituição, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, ou seja, havendo recurso para o STF ou para o STJ, a prisão não poderia acontecer. A execução antecipada da pena também limitaria a ampla defesa, e a possibilidade de erro judiciário impediria a execução da pena antes do trânsito em julgado. Para evitar injustiças que afrontam a dignidade da pessoa humana, melhor seria aguardar o pronunciamento definitivo do Judiciário antes de encarcerar alguém, pois, seguindo Voltaire, mais vale salvar um culpado do que condenar um inocente.

De outro lado, os favoráveis à prisão argumentam que, segundo o próprio STF, nenhum direito é absoluto – nem mesmo o direito à vida, pois admite-se a pena de morte ou o aborto em algumas hipóteses, por exemplo. Além disso, a presunção de inocência pode ser relativizada na medida em que vão se esgotando as instâncias do Poder Judiciário. E, como a lógica recursal brasileira não permite a discussão de fatos perante o STF e o STJ, os recursos nesses tribunais serviriam apenas para discutir aspectos de direito relacionados à aplicação da pena, e não para reavaliar provas.

As duas correntes contam com excelentes fundamentos; ao menos no plano teórico, nenhuma delas pode ser considerada melhor ou mais verdadeira que a outra. A opção por uma ou outra passa pela expectativa de direito e, principalmente, de sociedade que se quer.

Os juízes não representam o povo: Crônica da morte anunciada (artigo de Flávio Pansieri, conselheiro federal da OAB)

Com respeito aos argumentos contrários, o atual posicionamento do STF deve ser mantido. Sozinha, a possibilidade da execução da pena antes do trânsito em julgado não resolve o problema do crime no país, mas evita distorções de recursos protelatórios que só buscam a prescrição da pretensão punitiva. Ademais, não há alteração substancial no quadro social ou jurídico que autorize o tribunal a reverter seu posicionamento. O Brasil de 2016 não é diferente do Brasil de 2018.

Caso o STF mude o entendimento, a insegurança jurídica poderá se instaurar e o tribunal poderá ser rebaixado no campeonato da moralidade. Em que pese a discussão sobre a prisão integrar a seara penal, não há como ignorar o compromisso imposto pelo Código de Processo Civil: os “tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”.

Dadá Maravilha já foi citado no plenário do STF. Em outra ocasião, o jogador também afirmou que “não existe gol feio; feio é não fazer gol”. Ao decidir, o STF marcou um gol e, como acontece em qualquer partida de futebol, uma parte dos torcedores vibra e outra parte chora. Faz parte. Reverter o posicionamento a essa altura do campeonato implicará no maior gol contra já feito pelo tribunal.

Antonio Kozikoski, advogado, doutor e mestre em Direito, é professor da PUCPR.
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