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Poucos temas são tão polêmicos quanto o planejamento familiar. Esse é daqueles assuntos que parecem proibidos e sobre os quais não se pode falar, debater, propor ou discordar, isto é, um tabu.

Em artigo anterior, publicado na Gazeta do Povo em 15/6/2006, afirmei que o Brasil precisa eleger, entre seus inimigos reais, dois problemas sociais sérios: a) o crescimento populacional desordenado; b) o baixo nível educacional. Na seqüência, afirmei que o país necessita definir uma política de planejamento familiar, que inclua informação, orientação e disponibilização de meios para que mulheres pobres e analfabetas não tenham os filhos que não querem ter.

São muitos os aspectos que envolvem o tema. Alguns poderiam dizer que o Estado não tem o direito de se meter nas decisões individuais sobre quantos filhos cada família quer ter. Realmente não tem. Todavia, informação, orientação e oferta de meios para que as mulheres não tenham os filhos que não querem ter, isso não significa imposição. Não é preciso nenhuma digressão sociológica para saber que há uma legião de filhos que nasceram sem que as mães os quisessem e os tivessem planejado. Basta olhar o problema da gravidez involuntária de adolescentes nas periferias das grandes cidades brasileiras, só para ficar em um exemplo. Uma ressalva: ofertar meios significa assistência à saúde e prover meios anticoncepcionais. Não me refiro ao direito de aborto, que é uma medida após a concepção, assunto polêmico do qual não estou tratando aqui.

Muitas pessoas ainda estão influenciadas pela campanha movida contra a Bemfam, nos tempos do regime militar pós-1964. Para quem não se lembra, a Bemfam – Bem-Estar Familiar no Brasil – é uma organização não-governamental brasileira, cuja missão, segundo ela própria, é promover ações para o desenvolvimento social e para a educação e a assistência em saúde, especialmente saúde sexual e reprodutiva, em cooperação com o Estado e com a sociedade. Os críticos da Bemfam diziam que ela era instrumento do imperialismo americano, de quem recebia dinheiro para fazer controle da natalidade. Entre os críticos, predominavam os nacional-socialistas, que nunca protestaram contra o controle da natalidade em Cuba e na China, países que impuseram controles radicais, de forma ditatorial e obrigatória.

Outra questão seria: "Por que uma política só para as mulheres pobres e analfabetas? E o direito das demais?". O problema é que o governo tem que fazer escolhas, já que não dá para fazer tudo em função de que os recursos são limitados. Então, é preciso ter prioridades. Os programas devem, sim, focar as populações mais pobres e com menor nível de escolaridade, pois se dividirmos o Brasil em dois, veremos que, entre os 90 milhões mais pobres, há mais de quatro filhos por mulher, enquanto entre os 90 milhões menos pobres temos menos de dois filhos por mulher. Entretanto, se as mulheres não-pobres e alfabetizadas quiserem fazer uso dos programas governamentais, nada tenho contra. O que ocorre é que, entre as camadas alfabetizadas e com renda suficiente para cuidar de si mesmas, o acesso à informação, à orientação e aos meios de planejamento da família já é suprido por elas mesmas.

Domingos Pellegrini, esse notável escritor paranaense, afirmou que o preconceito é a maior praga mental, porque leva a pessoa a surfar na onda, sem abrir a mente, sem estudar, sem analisar e sem admitir outras soluções que não sejam seus dogmas. Romper o tabu do planejamento familiar é necessário para abrir a discussão sobre o que fazer com o crescimento populacional brasileiro a mais de 2,2 milhões de habitantes por ano, predominantemente nas camadas mais pobres e miseráveis. Os programas de planejamento familiar que deram certo tiveram um pilar básico: educação fundamental para toda a população, como é o caso da Coréia do Sul. É isso que proponho, nada mais.

José Pio Martins é professor de Economia e vice-reitor do Centro Universitário Positivo (UnicenP).

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