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Em 1964, para "defender as liberdades", os comandantes militares, aliados a parlamentares, destituíram o presidente eleito. Cinquenta anos depois, um governo eleito, aliado a parlamentares, propõe regras para inibir manifestações de rua sob o argumento de "defender o direito de manifestação". Para isso, propõe, via Projeto de Lei n.º 499, regras que criminalizarão atos cometidos nas manifestações. O senador Pedro Taques apresentou emendas, mas dificilmente mudará o espírito da proposta.

Uma violência durante manifestação poderá ter penalidade maior que o mesmo crime cometido fora de manifestação. Um assassino frio que mata uma das 50 mil vítimas por ano nas esquinas de nossas cidades será julgado como assassino, mas, se a morte decorrer de ações de tumulto durante uma manifestação, o autor poderá ser julgado como terrorista.

Um jovem que mobiliza seus amigos para um "rolezinho" poderá ser considerado terrorista se, durante a manifestação, ocorrer provocação que termine em balbúrdia com depredação de patrimônio. Se der um grito e liberar a raiva da multidão, um passageiro irritado com o péssimo serviço de um ônibus pode ser considerado terrorista, caso ocorra a queima de ônibus em consequência desse grito. Tudo vai depender da interpretação do sistema policial e judiciário.

Os defensores dessas propostas dizem que já esperaram demais por uma lei antiterrorista, mas não explicam por que fazê-la neste momento, nem por que de maneira tão ambígua. Tudo indica que a pressa decorre do clima de mobilização social que o país atravessa. Em vez de entenderem o motivo da insatisfação popular, preferem inibir as manifestações com ameaças de severas penas contra terroristas. Encontraram uma maneira moderna de proibir, de inibir as manifestações.

A proposta é reafirmada graças à hipótese de que o vandalismo teria sido financiado, esquecendo que, no descontentamento atual, não é necessário pagar para que a população deprede ônibus que não lhes atendam. Nas paradas de ônibus, bastam uns gritos para deslanchar movimentos que quase espontaneamente se fazem violentos, e poderão condenar pessoas por terrorismo. A sociedade brasileira atravessa uma grave tensão que não é pré-Copa ou pré-eleição, é pós-esgotamento de um modelo social e econômico que ficou velho após 20 anos, com democracia, necessária, mas imperfeita; com o eficiente, mas insuficiente Plano Real; com a generosa, mas não emancipadora Bolsa Família.

O necessário rigor contra o vandalismo exige a aplicação das leis vigentes. A incompetência para impedir os crimes de vândalos não deve ser camuflada, assustando os manifestantes pacíficos.

Com exceção dos homens-bomba, os terroristas não vão para as ruas em manifestações; agem à surdina, cometem seus atos clandestinamente. Parece que a intenção dessas propostas não é controlar o terrorismo, mas, por um lado, esconder a incompetência para impedir e punir os vândalos e, por outro, aterrorizar os que têm a intenção de ir às manifestações, uma espécie de terror antiterrorista.

Cristovam Buarque, professor da UnB, é senador pelo PDT-DF.

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