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| Foto: Saif Dahlah/AFP

Quando eu era menino, adorava ler quadrinhos e assistir a filmes de super-heróis que tinham como missão proteger a Terra dos supervilões que queriam destruir ou dominar o mundo. Não sabíamos muito o porquê, mas alguns destes vilões queriam destruir o mundo mesmo. Entre uma pipoca e outra, ninguém realmente se preocupava com o desfecho na luta do bem contra o mal; afinal, todo mundo tinha certeza de que não importava qual fosse o roteiro, não passava de um calafrio imaginativo.

Alguns anos se passaram e comecei a perceber que tais vilões não ficaram apenas em meu imaginativo pueril e nos gibis – eles existem e eles voam mesmo. Eles se chocam contra prédios em aviões! Eles explodem estações de trens! O Pentágono! E aproveito para registrar minha reclamação e meus protestos contra os autores e escritores destes roteiros: vocês criaram tudo isso! E, se tão somente reproduziram o que já existia, se esqueceram de dizer o quanto era para valer! Nossos gibis em quadrinhos, nossos filmes com final feliz não nos prepararam para este mundo real de crueldades, para essa barbárie em série. Por que diabos ninguém nos avisou disso?

Além de não serem personagens de ficção, esses malucos vilões de verdade cortam cabeças do povo, queimam gente viva em gaiolas, sequestram, esfaqueiam e atropelam gente no meio da rua, mas esta parte do show de horror não estava realmente nos quadrinhos e nos filmes. Para piorar, dizem que é por ideologia, por religião! Isso não faz parte da minha cultura. Não deveria fazer parte da cultura de nenhum ser humano! Não deveria fazer parte de nenhuma ideologia, muito menos de uma religião.

Os vilões de verdade cortam cabeças do povo, queimam gente viva em gaiolas, sequestram, esfaqueiam e atropelam

O filósofo e escritor Jean-Jacques Rousseau se perguntava se o homem nasce bom, mas a sociedade o desvirtua, ou se a sociedade tem suas raízes boas e o homem a desvirtuou. Independentemente da resposta, a criatura que empunha o manche, a espada ou o volante; poderia a vida ter produzido animal tão cruel?

“Se queres prever o futuro, estuda o passado”, ensinou Confúcio. Pois parece que não aprendemos a lição com massacres como o de Ruanda, onde morreram 700 mil tutsis; ou a morte de 1,5 milhão de armênios em 1916; ou, nos últimos sete anos, o meio milhão de mortos na guerra da Síria; ou o pior massacre do século 20: os 20 vinte milhões de mortos na Segunda Guerra Mundial, entre os quais os 6 milhões de judeus vítimas do Holocausto.

Não, não estava no gibi. Temos hoje, na região do Iraque, o Estado Islâmico, que em sua guerra santa pretende implementar o regime do Rashidun (“califado”) ali e em todo o resto do mundo custe o que custar, rolem quantas cabeças rolar. Na Coreia do Norte, um senhor no cockpit de um máquina nuclear pode levar a Coreia do Sul e o Japão pelos ares a qualquer momento, e quando lhe pitar o talante. Na Venezuela, o protoditador Nicolás Maduro está matando seu povo de fome por impingir a seu país o mais desastrado sistema de governo de que se tem notícias recentemente, além de encarcerar líderes de oposição e assassinar manifestantes diariamente nas ruas.

Há algumas semanas, o Líbano proibiu a estreia do filme da Mulher Maravilha porque o papel principal era protagonizado (evidentemente) por uma mulher e ainda mais uma judia israelense, Gal Gadot. Nossos super-heróis de gibis estão apanhando feio até no cinema!

Do mesmo autor:A bolha imobiliária chinesa (14 de junho de 2017)

Opinião da Gazeta:Terror, xenofobia e multiculturalismo (editorial de 12 de junho de 2017)

Já não sinto que entre uma pipoca e outra estamos todos tão despreocupados com o desfecho na luta do bem contra o mal. Já não tenho mais certeza de que todos nós sabemos que, não importa o roteiro ou seu final, não passará de um calafrio imaginativo de cada dia.

Nesta luta de superpoderes, em uma era em que os supervilões são a mais nova contemporaneidade e que sabemos que super-herói não existe, sejamos, pois, heróis de nós mesmos, de nossas famílias, de nossas histórias; tenhamos, pois, amor uns pelos outros acima de quaisquer dogmas religiosos, cor, raça, gênero ou tipo de preconceito; tratemos com respeito e cordialidade uns aos outros. Levantemos a bandeira da moral e da ética contra a corrupção que tanto deriva recursos de nossas crianças e enfermos. Fazendo apenas o básico, sejamos honestos. Não precisamos voar, não precisamos ser superfortes. Não precisamos ser super-herói... precisamos é ser humanos!

Alexandre Nigri, formado em Economia e Administração de Empresas com especialização em real estate, é CEO do Grupo Maxinvest.
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