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A Senadora Ideli Salvatti (PT-SC) reclamou na Comissão de Constituição e Justiça do Senado que ali só se discutia a questão ética. No blog do Noblat está a frase atribuída à senadora: "Será que tudo no mundo e aqui dentro só gira em torno disso? Há outros assuntos a serem discutidos." O desabafo da senadora abre oportunidade para discutir o valor da honestidade como ponto de apoio em torno do qual gira o mundo. A massa de rocha e água do planeta gira se formos honestos ou desonestos; porém o mundo social flui suavemente ou se torna um inferno em relação direta com o zelo que se dá a ética.

De certa forma, quando os políticos desonestos são reeleitos e dizem que foram absolvidos pelo povo e que não é justo o julgamento dos tribunais, afirmam que a honestidade não é o atributo mais importante na atividade pública. Ao examinar-se as centenas de reeleições, fica-se com a impressão de que os desonestos estão certos.

Na verdade, o desonesto se elege desonestamente pois não diz ao povo que o seu projeto é enriquecer à custa do trabalho de cada um dos eleitores, sem dar atenção às carências de segurança, educação, desenvolvimento. E assim, de eleição em eleição, tem-se a sensação de que as coisas permanecem sempre do mesmo jeito e que as melhoras ocorrem apesar da política e não por causa dela.

A democracia é feita com a boa dosagem entre legitimidade e moralidade. Eleições periódicas, livres, transparentes, asseguram a legitimidade; instituições estáveis, presas aos valores civilizacionais, cegas às paixões conjunturais, asseguram a honestidade. Instituições aptas a garantir alto padrão de moralidade na vida pública funcionam como uma referência para os indivíduos em suas atividades particulares. Indicam o que é direito em oposição ao torto.

As instituições públicas devem estar acima da moralidade média do seu tempo para que as pessoas confiem nas ações do governo. Todas as atividades particulares ficam impregnadas por uma sensação de que se vive num ambiente de "cada um por si" se não houver uma estrutura pública mais honesta que a média e que dê respostas de grande qualidade ética aos reclamos de quem se sinta lesado. O custo social da desconfiança basta para justificar o valor da honestidade.

Além disso, quando os agentes públicos agem com padrão ético comum ou inferior à média, criam uma justificativa cínica para a desonestidade na seara particular. O indivíduo pensa: se os políticos e funcionários roubam, por que eu não posso roubar? O déficit de honestidade na atividade pública provoca um nivelamento por baixo nos esportes, negócios, escolas. A sociedade se contamina com essa baixa expectativa moral e o mérito advindo do estudo e trabalho passa a ser visto como algo típico de pessoas tolas que não sabem aproveitar o "jeitinho".

Para inibir a desonestidade criam-se milhares de leis, provocando hipernomia, um excesso de normas que causa a impressão de que se está a construir a moralidade. Contudo, essa construção, antes de ficar pronta, está em ruínas porque as pessoas do povo têm um olho posto nas leis e outro, nos legisladores. Quando há intensa assimetria entre as condutas descritas nas leis e aquelas praticadas pelos políticos, a crença na importância da obediência à lei fica abalada.

Pessoas sem leis carecem de referências objetivas para sua conduta e leis ótimas em meio à desonestidade generalizada são letra morta. Por isso saber se é melhor um governo de pessoas ou de leis é dilema mal posto. Governantes, ainda que honestos, sem leis tornam-se tiranos; d’outro lado, se a desonestidade é o padrão normal de conduta, as leis são irrelevantes. Aos políticos incumbe não só criar boas leis; eles têm o dever de se comportar na vida pública de modo muito mais honesto do que se comportam em sua vida particular. Têm o dever de dar exemplos para que as pessoas percebam que a honestidade produz benefícios para toda a vida em comunidade.

Embora haja muitos assuntos a serem discutidos, a chamada "questão ética" – honestidade na administração pública – é o problema central para todos os brasileiros.

Friedmann Wendpap é juiz federal e professor de Direito da UTP.

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