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José Sarney "é" senador. Ele é um pouco homem, outro pouco é insti­tuição. Conhecendo a política, vê que duas coisas a movem: o ódio e a inveja

Sarney está novamente na presidência do Senado. O fato ajuda a ver a parte do presente que há no passado, e vice-versa. Dá cores à oligarquia e também à oposição ao domínio conservador.

Ele estava na Câmara dos Deputados no último governo Vargas, dali votou propostas do governo JK, da Câmara viu a renúncia de Jânio e votou na crise parlamentarista, de 1962. Na transição, ajudou a sustentar o regime militar, que em troca lhe fez governador e, depois, senador. Prestígio e habilidade o levaram à presidência da Arena e do PDS. Aos poucos, ficou maior que militares, Arena e PDS, juntos. Seu afastamento do PDS e a aliança com ACM, Marco Maciel, Born­hausen e Tancredo viabilizaram a vitória do rival PMDB que, a seguir – e com dissabor – o sustentou na Presidência da República. Dali convocou a Assembleia Nacional Constituinte e enfrentou o FMI: numa mão a moratória e, na outra, soluções heterodoxas para a inflação. O Plano Real deve muito a essa experiência de Sarney. Sexagenário, voltou ao Congresso; ao Senado. O novo domicílio eleitoral, o Amapá, nem arranhou seu prestígio. Na Câmara deixou outros Sarneys: o filho e a filha. Na presidência do Senado sustentou o início do governo FHC ao lado de ACM. FHC agradeceu fazendo de Sarney Filho seu ministro do Meio Ambiente. No início do governo de Lula, Sarney voltou à presidência do Senado e, agora, no início do governo Dilma, lá está ele de novo.

A figura serena que ali está naquela cadeira de presidente não teve outrora o mesmo respeito, talvez nem a mesma serenidade. Na Assembleia Constituinte quase perdeu dois anos de mandato presidencial. Em 1989, não foi apoiado por nenhum dos candidatos à sua sucessão. Uma candidatura da filha foi derrubada por ação da Polícia Federal. Mais recentemente teve a crise dos 663 atos secretos, que quase lhe custou a renúncia à presidência. O "Maranhão novo" ainda não veio. Permanece uma região agrária e marcada por analfabetismo e mortalidade infantil. Não modernizou a administração do Senado, nem do Maranhão. E como poderia racionalizar a administração pública a partir de um padrão patrimonialista de governo que sustenta seu poder oligárquico?

Amante das letras, viu a revista The Economist qualificá-lo de dinossauro e de símbolo do semifeudalismo; o livro Honoráveis bandidos afirma que seu poder vem do controle familiar sobre o sistema elétrico (Ministério de Minas e Energia), terras e comunicações. Junção do arcaico e do moderno. Além disso, os cargos políticos sob o domínio da família lhe dão ilimitado poder de nomeação e de barganha. Ele é imprescindível aos governos de coalizão.

José Sarney "é" senador. Ele é um pouco homem, outro pouco é instituição. Conhecendo a política, vê que duas coisas a movem: o ódio e a inveja. "Políticos são antropófagos, comem uns aos outros." Mas Sarney é um senador do velho Senado, das notas de Machado de Assis. Tal qual os maiores, carrega o peso dos anos com facilidade. Como as primeiras vozes, fala pouco, quase não gesticula. Como os mais importantes, sobreviveu a todas as adversidades e as superou. Ninguém, atualmente, rivaliza com Sarney em matéria de duradoura relação com o alto Poder. Fazer, desfazer e refazer governos é, para ele, uma necessidade não só econômica, é de essência vital.

Carlos Luiz Strapazzon é professor de Direito Constitucional e Ciência Política. E-mail: strapazzon.carlos.luiz@gmail.com

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